Demos a volta a quatro mortalhas sem saber muito bem a que temperatura se imola o papel; sem saber muito bem de que cor se acendem os teus olhos. Sem saber muito bem a quem pedimos clemência quando erramos. E depois damos voltas sem que os sapatos saibam onde vão terminar; sem que as nuvens chorem à nossa espera. Sem que os cigarros se apaguem violentamente nas nossas peles.
Ó amor, quantos de nós existem para sacrificar ao vento? E quantos cabelos, e quantas peles, quantas vozes; quantas de ti, quantos de mim, quantos de nós. Suspiraria se assim não fosse; afinal a produção morre onde quer que acabem os corpos. E já não estamos vestidos: vestidos de nós, vestidos de seda, vestidos de cetim espalhados pelo chão do quarto; e o que tinhas já não é só meu: agora está espalhado ao mundo, p'ra quem quer que olhe de cima, de lado, de frente, como grãos de areia na costa que desemboca à minha porta.
Toma um pouco do meu café, toma as minhas mãos nas tuas mãos. Toma-me os dedos pelos cabelos. Diz que me vais saudar no dia em que partires deste local, no dia em que partires esta barreira, no dia em que partires deste sentido; e depois ver-te-ei desnuda do outro lado, à espera que amanheça.
É que em ti começa tudo e eu nada sei; nada peço, nada invento.
Limito-me a fumar o meu cigarro à espera que tudo adormeça.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Ignis.
Falta-nos sempre um isqueiro.
Faz-nos falta fogo; depois água que o apague, e um pano que seque a água.
Que nos acendam os cigarros; que nos encham o copo com sempre mais um pouco.
E, posteriormente, quando formos sós, que as cortinas nos apaguem a luz.
Quando deixaremos nós de fazer sentido?
Entristece Selene que por nós espere;
Continuo, contudo, dizendo, que o ideal me comanda
E que nunca me peças que não me dê a ninguém.
Compreende, assim, que nada é teu
E eu tenho pouco que faça sentido para te oferecer.
Ignora a ilusão que te comandou a vida durante décadas:
É que o mundo não foi feito para nós.
Faz-nos falta fogo; depois água que o apague, e um pano que seque a água.
Que nos acendam os cigarros; que nos encham o copo com sempre mais um pouco.
E, posteriormente, quando formos sós, que as cortinas nos apaguem a luz.
Quando deixaremos nós de fazer sentido?
Entristece Selene que por nós espere;
Continuo, contudo, dizendo, que o ideal me comanda
E que nunca me peças que não me dê a ninguém.
Compreende, assim, que nada é teu
E eu tenho pouco que faça sentido para te oferecer.
Ignora a ilusão que te comandou a vida durante décadas:
É que o mundo não foi feito para nós.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
O amor é isto e muito mais
Inspirado pelo relógio das treze:
O amor é:
O amor é:
Não haver polícia- Fica para o Zé.- Olhar pela varanda;
- Dormir pelos umbrais;
Isto e nada mais- Ditto.- Nadar pelo Tejo;
Invocar Lisboa- Não saber o que mais dizer;
- Trocar notas por moedas;
- Fumar tabaco de maços alheios;
- Tratar alguém pelo nome próprio;
- Rejeitar a mão pelos cabelos;
- Pegar fogo a cartas de amor;
- Esvaziar uma garrafa de amarguinha;
- Dizer parvoíces por não saber o que dizer;
- Não acabar recensões críticas
- Deixar de fazer sentido.
sábado, 27 de outubro de 2012
Se dormisses à beira do rio, faltavam-te os sonhos
Se dormisses à beira do rio, faltavam-te os sonhos.
E o que ficava seria pouco para te embalar as vontades;
Ficava vento roçando-te o peito, o frio a queimar-te as faces
E as águas abraçando-te ternamente a mão despida.
Se eu te beijasse as pálpebras enquanto dormes:
Tomar-me-ias por outrém ou anuías docemente;
E, se eu te descobrir por entre as folhagens,
Prometes-me que amas Lisboa como se fosse tua?
E se um abraço fosse tudo, ou quase nada
Davas-te aos braços em acordes de violino
Ou observavas as estradas mortas de breu
Enquanto redescobrias as ossadas dos meus ombros.
Olha, Selene, já não temos quase nada;
Pouco restaria já do cadáver triste que amanhece.
Florescem agora em mim outras aldeias,
Outras florestas, outros abismos,
Que não se compadecem dos que me deixaste
Sonhar em magnésio de ondas calmas pela noite.
E depois, onde jogávamos este tabuleiro
Que se gasta enquanto gastamos os verbos?
Onde nos encontrávamos novamente
E os dedos se entrelaçavam por entre os cabelos
E as vozes se sobrepunham uma à outra,
Numa batalha de espíritos ausentes.
Meu anjo, já não nos sobra nada:
Nem os navios, nem os mares, nem o cais
Nem as covas, nem os raios, nem os silêncios;
Quanto tinhas tu para dar, enquanto me fazia gasto?
E, tempos volvidos, é ver-te dissolver ao vento
Como ídolos feitos de espuma e gesso.
E o que ficava seria pouco para te embalar as vontades;
Ficava vento roçando-te o peito, o frio a queimar-te as faces
E as águas abraçando-te ternamente a mão despida.
Se eu te beijasse as pálpebras enquanto dormes:
Tomar-me-ias por outrém ou anuías docemente;
E, se eu te descobrir por entre as folhagens,
Prometes-me que amas Lisboa como se fosse tua?
E se um abraço fosse tudo, ou quase nada
Davas-te aos braços em acordes de violino
Ou observavas as estradas mortas de breu
Enquanto redescobrias as ossadas dos meus ombros.
Olha, Selene, já não temos quase nada;
Pouco restaria já do cadáver triste que amanhece.
Florescem agora em mim outras aldeias,
Outras florestas, outros abismos,
Que não se compadecem dos que me deixaste
Sonhar em magnésio de ondas calmas pela noite.
E depois, onde jogávamos este tabuleiro
Que se gasta enquanto gastamos os verbos?
Onde nos encontrávamos novamente
E os dedos se entrelaçavam por entre os cabelos
E as vozes se sobrepunham uma à outra,
Numa batalha de espíritos ausentes.
Meu anjo, já não nos sobra nada:
Nem os navios, nem os mares, nem o cais
Nem as covas, nem os raios, nem os silêncios;
Quanto tinhas tu para dar, enquanto me fazia gasto?
E, tempos volvidos, é ver-te dissolver ao vento
Como ídolos feitos de espuma e gesso.
Apetecem-me as alturas
Apetecem-me as alturas,
Sofregamente;
Da mesma forma
Que os pedaços
Cortam cabelos
E os dedos
Se fazem tarde.
Olharia pelos cantos,
Enquanto a noite
Teima em chegar.
E, volvidos segundos,
Revolvem as folhas
Pelo vento.
Meu amor,
Diria que o tempo escasseia.
Nem as árvores
Apodrecem
Enquanto gastas palavras;
Nem os pássaros
Chilreiam
Enquanto pisas rochas;
Nem as águas
Correm
Enquanto o mar esquenta;
Nem os teus olhos
Brilham
Por entre a floresta.
É dessa mesma forma
Que se procede tudo:
Quanto mais tenho por falar,
Menos a voz se apresenta.
Mulher,
Não me fales de amor:
Inventas moralismos
À espera que creia
Que podes existir
Noutra dimensão qualquer.
Deixa que o Inverno chegue
E dá o peito às gotas
Que escorrem pelas folhas.
Ilumina as ruas
Como se fosses
Luz vaga,
E interior.
Meu amor,
Diria que escasseamos.
Nem os passeios
Nos suportam
Os passos ausentes;
Nem as nuvens
Chovem
À nossa passagem;
Nem o Mar
É nosso
Como foi no passado;
Nem as minhas mãos
Esquentam
À beira das tuas.
Sofregamente;
Da mesma forma
Que os pedaços
Cortam cabelos
E os dedos
Se fazem tarde.
Olharia pelos cantos,
Enquanto a noite
Teima em chegar.
E, volvidos segundos,
Revolvem as folhas
Pelo vento.
Meu amor,
Diria que o tempo escasseia.
Nem as árvores
Apodrecem
Enquanto gastas palavras;
Nem os pássaros
Chilreiam
Enquanto pisas rochas;
Nem as águas
Correm
Enquanto o mar esquenta;
Nem os teus olhos
Brilham
Por entre a floresta.
É dessa mesma forma
Que se procede tudo:
Quanto mais tenho por falar,
Menos a voz se apresenta.
Mulher,
Não me fales de amor:
Inventas moralismos
À espera que creia
Que podes existir
Noutra dimensão qualquer.
Deixa que o Inverno chegue
E dá o peito às gotas
Que escorrem pelas folhas.
Ilumina as ruas
Como se fosses
Luz vaga,
E interior.
Meu amor,
Diria que escasseamos.
Nem os passeios
Nos suportam
Os passos ausentes;
Nem as nuvens
Chovem
À nossa passagem;
Nem o Mar
É nosso
Como foi no passado;
Nem as minhas mãos
Esquentam
À beira das tuas.
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Do Que se Não Tem, Tendo - Parte I
«Ouça, faz-me falta o calor.
É urgente amar, é fulcral gritar-se
palavras ao infinito, em aparente loucura.
Eu até prefiro a noite ao dia, e
doutra forma não faria sentido.
Gosto do som das lâmpadas zumbindo, e
da minha sombra reflectida nas fachadas dos prédios. Em certa extensão, eu
sempre fui narcisista, mas encontrar-se algo maior do que nós tem o seu peso e
revemo-nos, noutra perspectiva - ou pelo menos devia ser assim.
Compreenda-me, eu não sou rico, nem
particularmente fantástico, nem tenho muito para oferecer senão palavras e
gestos, mas até estes últimos são erróneos e fazem-se gastos. Na verdade, eu
nunca soube dividir-me; talvez por isso nunca me tenha sido verosímil aquela
ideia das laranjas cortadas a meio. É essencial cada um ser um e juntos
formarem dois; se ambos forem meio, invariavelmente, a balança pende para um
dos lados, e cai, e parte-se.
É disso que tenho receio, dessa
quebra, como se existisse um desencontro: salta um gomo à peça de fruta e
depois ninguém parece saber encontrá-lo.
Atente nos sinais mais básicos de
exposição e verá que faz algum sentido, ao contrário do todo.
Pedi um tempo a mim próprio, para
equilibrar os meus sentidos. Houve e há tanto que liga as pessoas, tanto mais
do que as separa.
Até prezo a diferença, sabe, mas
finjo que não e nem entendo porquê; o que sucede, é que os olhos verdes já me
não seguem para qualquer lado que vá e isso, intriga-me. Afinal de contas, o
que nos é conhecido deveria, logicamente, ser-nos mais agradável e, contudo,
nem sempre é assim.
- Perde-se na narrativa e, por este andar, ainda me embala
antes de jantar.
Sigo, portanto. Sabe que agora é Fevereiro; e, contudo, há um
ano atrás, Fevereiro tinha mais sabor.
Lisboa é diferente quando se está
apaixonado: não é cinzenta, nem de rocha. E os meus olhos até são castanhos, e
é como se florescesse ao nosso olhar.
Nesse tempo, eu ainda escrevia cartas
a contar-lhe do amor que me envolvia. Já não as escrevo, porém. Não porque o
amor se tenha deslocado, não julgue, mas apenas porque sei que não teria o
mesmo impacto. Nesse contexto, revejo o meu pequeno postal de Nietzsche e,
realmente, vejo que nenhum de nós soube alguma vez escrever cartas de amor, mas
o pouco que fomos aprendendo chegava para suprir as vontades dos nossos
suspiros.
É como lhe
digo:
- O amor, à
deriva, é um lugar estranho.
E, no entanto, estabelecido, é como
campos de trigo a ondular com Helios, ou bandeiras danças a ulular ao vento.»
domingo, 21 de outubro de 2012
Whatever you may be
Today, I feel like breaking the bounds of my own comprehension.
To be honest, I never felt like writing in english. I must heed this will; it'll sound better, maybe. I don't really have a problem of expression in portuguese and I don't feel like everything sounds a little bit better in this silly language.
Nevertheless, I'll give it a try. It sounded awful whenever I opened myself to you in our own language. You hated it; I hated it also. It doesn't even stand a chance. We don't stand a chance, in this wind of change. You've made your choice, and I've never made mine. I couldn't make mine. It was never possible for me to choose anything; you would refuse to let me.
In other hand, I'm not quite sure of my own choice. Maybe it is better this way, your own path seems to be a little bit more secure; the rain that falls on my shoulders isn't clear at all. And, actually, my silence is not that perfect; that's why I'm a night type kind of person, but that's something you'll probably never know.
Keep in mind that I'll probably be a little bit more secure now. A little bit less open. A little bit less sincere. I don't really think you've lost anything, though I wouldn't bet you won anything either. Neither do I think it's your responsibility. You are what you are. What the world made you to be, even though you don't give a crap to the world's opinion on its own. You are whatever you want to be.
Honestly, I won't try to change your opinion; I know you wouldn't try to change mine either.
But, be sure to hold still, and look at the starts. They'll tell you what to do, whenever you feel lost.
Et jamais oublie mes paroles.
To be honest, I never felt like writing in english. I must heed this will; it'll sound better, maybe. I don't really have a problem of expression in portuguese and I don't feel like everything sounds a little bit better in this silly language.
Nevertheless, I'll give it a try. It sounded awful whenever I opened myself to you in our own language. You hated it; I hated it also. It doesn't even stand a chance. We don't stand a chance, in this wind of change. You've made your choice, and I've never made mine. I couldn't make mine. It was never possible for me to choose anything; you would refuse to let me.
In other hand, I'm not quite sure of my own choice. Maybe it is better this way, your own path seems to be a little bit more secure; the rain that falls on my shoulders isn't clear at all. And, actually, my silence is not that perfect; that's why I'm a night type kind of person, but that's something you'll probably never know.
Keep in mind that I'll probably be a little bit more secure now. A little bit less open. A little bit less sincere. I don't really think you've lost anything, though I wouldn't bet you won anything either. Neither do I think it's your responsibility. You are what you are. What the world made you to be, even though you don't give a crap to the world's opinion on its own. You are whatever you want to be.
Honestly, I won't try to change your opinion; I know you wouldn't try to change mine either.
But, be sure to hold still, and look at the starts. They'll tell you what to do, whenever you feel lost.
Et jamais oublie mes paroles.
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Do tempo
O tempo não é quase nada; e acredita que às vezes até gostava de sonhar contigo.
De voar, sem asas, de planar, sem ar no estômago. O que me mata é saber não ver o que escondes,
Ou não querer ver. É que não queria mesmo, entendes? Dar tempo, dar-me tempo, dar algum tempo seja ao que for. Eu não sou sequer indicado para dar tempo; vivo demasiado convencido de que ele me falta.
Ademais, sabes como gosto de chuva. Como gosto do silêncio, e da noite, e dos momentos inenarráveis em portas que nunca se fecham. Sabes como gosto de dar as mãos às crianças.
Não penses que algo do que faço é irreflectido ou impensado; a minha impulsividade dá-me arrepios e nem queria irritar-te ou fazer-te sonhar menos.
Noutro prisma, prometo ainda que não volto a tentar que te arrependas das situações pelos meus motivos pessoais; perdoa-me por ser egoísta. É, talvez por isso, que te peço desculpa tantas vezes.
Tens plena razão de quando dizer que, acima de tudo, o que nos rouba o peito não deve ser planeado; talvez estejas certa ao discordar-me quanto ao moralismo. Na sua perfeição, a mim o que me apetecia era tudo o que te assusta a ti; talvez percebas agora o problema que tal situação me causa. É que eu não sei viver aos pedaços, não sei viver demasiado - ou sequer de menos - e tenho sempre medo de me trocar, excepto quando as coisas nada me dizem.
A verdade é que perco demasiado tempo a pensar nisto; outro tanto a pensar vagamente em ti. Também por isso me deverias perdoar. Não devia fazê-lo e em última análise, nem sentir merda nenhuma.
Não temos tempo. Provavelmente, nunca vamos ter tempo. Possivelmente, é possível que nenhum de nós queira realmente ter tempo um para o outro; é só um tiro no escuro, mas juro que às vezes é isto que me assalta a cabeça quando a deito na almofada. Também é quase garantido que, se estivesses aqui, olharias à volta da minha cabeça - porque tanto eu como tu temos dificuldade em olhar nos olhos, falando de coisas sérias - e me dirias que tenho razão. E, raras vezes em há em que eu gostaria de não ter razão. De todas elas, é esta a mais recente.
Por último, dizer-te que não existem sonhos antropomórficos. Ou talvez até existam, ou tenham existido no meu passado. Talvez, nesses tempos de papel e verdes, eu tenha sentido realmente e sonhado realmente sonhar-me com o sonho de alguém. Por isso, agora te digo. Eu não sou um sonho; nunca fui, nunca vou ser. Sou apenas alguém cujas opiniões invariavelmente chocam de frente quase todos. Sou alguém com uma experiência de vida única - tão única como todas as outras. Não sou um sonho. Provavelmente, nunca chegarei a ser o teu sonho, por muito que sonhes. Também sabemos que os teus sonhos estão pelas nuvens; comete os teus erros, e depois conta-me. Aposto que ainda tens muito para sonhar nesse local, e eu não me recomendo.
De voar, sem asas, de planar, sem ar no estômago. O que me mata é saber não ver o que escondes,
Ou não querer ver. É que não queria mesmo, entendes? Dar tempo, dar-me tempo, dar algum tempo seja ao que for. Eu não sou sequer indicado para dar tempo; vivo demasiado convencido de que ele me falta.
Ademais, sabes como gosto de chuva. Como gosto do silêncio, e da noite, e dos momentos inenarráveis em portas que nunca se fecham. Sabes como gosto de dar as mãos às crianças.
Não penses que algo do que faço é irreflectido ou impensado; a minha impulsividade dá-me arrepios e nem queria irritar-te ou fazer-te sonhar menos.
Noutro prisma, prometo ainda que não volto a tentar que te arrependas das situações pelos meus motivos pessoais; perdoa-me por ser egoísta. É, talvez por isso, que te peço desculpa tantas vezes.
Tens plena razão de quando dizer que, acima de tudo, o que nos rouba o peito não deve ser planeado; talvez estejas certa ao discordar-me quanto ao moralismo. Na sua perfeição, a mim o que me apetecia era tudo o que te assusta a ti; talvez percebas agora o problema que tal situação me causa. É que eu não sei viver aos pedaços, não sei viver demasiado - ou sequer de menos - e tenho sempre medo de me trocar, excepto quando as coisas nada me dizem.
A verdade é que perco demasiado tempo a pensar nisto; outro tanto a pensar vagamente em ti. Também por isso me deverias perdoar. Não devia fazê-lo e em última análise, nem sentir merda nenhuma.
Não temos tempo. Provavelmente, nunca vamos ter tempo. Possivelmente, é possível que nenhum de nós queira realmente ter tempo um para o outro; é só um tiro no escuro, mas juro que às vezes é isto que me assalta a cabeça quando a deito na almofada. Também é quase garantido que, se estivesses aqui, olharias à volta da minha cabeça - porque tanto eu como tu temos dificuldade em olhar nos olhos, falando de coisas sérias - e me dirias que tenho razão. E, raras vezes em há em que eu gostaria de não ter razão. De todas elas, é esta a mais recente.
Por último, dizer-te que não existem sonhos antropomórficos. Ou talvez até existam, ou tenham existido no meu passado. Talvez, nesses tempos de papel e verdes, eu tenha sentido realmente e sonhado realmente sonhar-me com o sonho de alguém. Por isso, agora te digo. Eu não sou um sonho; nunca fui, nunca vou ser. Sou apenas alguém cujas opiniões invariavelmente chocam de frente quase todos. Sou alguém com uma experiência de vida única - tão única como todas as outras. Não sou um sonho. Provavelmente, nunca chegarei a ser o teu sonho, por muito que sonhes. Também sabemos que os teus sonhos estão pelas nuvens; comete os teus erros, e depois conta-me. Aposto que ainda tens muito para sonhar nesse local, e eu não me recomendo.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Deste-me vontade de olhar para trás
Deste-me vontade de olhar para trás.
Para trás no tempo, para trás nos sorrisos e nas atitudes; para trás no meu
próprio destino.
Pensar, e se
não estiver certo, se realmente não esperar pelos momentos certos; se a minha
sofreguidão me proporcionar erros, perfeccionistas erros de selecção.
Deste-me que
pensar; não sei se tu, se sombras de pai e filha. É estranho, não é? Pensarmos
que a estátua foi colocada de costas para ela. Afinal de contas o que é o amor?
Esse tão
singelo amor que apregoamos, que perpetuamos.
O que somos
nós, que descemos tão alto e tão baixo, que somos tão míseros e tão fulcrais.
Tenho
sinceras dúvidas sobre as minhas acções; sobre os meus pensamentos.
Faz-me
espécie, uma certa espécie de pensar que nem sempre haja sintonia, que nem
sempre exista uma singularidade entre duas causas sós.
É que dás-me
que pensar como não me dava há muito tempo:
Já to disse; e o problema é que não sei bem como pensar.
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Hoje
“Hoje, o dia que toda a gente conhece, que cada um o vive,
por vezes em comum, como um par de lugares ao lado de uma janela em movimento,
ou talvez, o olhar distinto do presente, em constante observação ao que o
rodeia. É uma busca incessante pretendendo alcançar algo, que mesmo em
movimento, fixe o olhar, por momentos, ou por uma eternidade.
Tudo depende do que transparece da janela, algo promissor,
desejável… e o que se reflecte nela, alguém merecedor e cumpridor do que pode
vir a obter, do que o olhar observa.
Acerca da janela, tudo provém do pensamento, um pensamento
simples que se torna complexo pelo olhar. É neste momento que quando diante da
janela e observando o seu interior obtemos uma possível conclusão, no entanto,
aquando a abertura do nosso pensamento, dialogando com a pessoa no banco em
frente, tudo se torna uma realidade disforme.
O pensamento é humano, contudo, pode iludir-nos para o bem e
para o mal, com confiança ou com força. Por essa razão, o pensamento não
funciona sozinho, o olhar por si só permite-nos encontrar alternativas,
encontrar coisas boas nos acontecimentos maus, e vice-versa.
Hoje faz sol, céu limpo e brilhante, tentador de facto, no
entanto encontro-me do lado oposto com a janela pelo meio, ou será o meu o
pensamento? Onde me encontro? No meu pensamento, onde sei que o meu olhar
através desta janela que alimenta o meu pensamento.
Vejo agora gotas de chuva largadas do céu, cada uma com
ínfimas memórias em que cada gota de chuva está um raio de sol. Um raio vindo
do oeste, outro de este… Mas como é possível em cada gota de água estar mais do
que um raio de sol?
Será melhor ou maior, o contributo de algo que nos ilumine,
e nos deixe mais solarengos ou tudo isto será do meu pensamento?
Pensamentos nossos, que crescem por quem observa,
pensamentos nossos que nos preenchem, pensamentos humanos e desumanos, no
fundo, pensamentos nossos, distintos talvez, ou similares através do simples
olhar de uma janela.
Uma janela agora em movimento perseguida por um olhar em
pensamento de um conjunto de lugares…diante da janela”
Créditos a Diogo Mendes
domingo, 14 de outubro de 2012
Ainda te apetece passear por Lisboa?
Ainda te
apetece passear por Lisboa? Pensei que pudéssemos fazê-lo numa lógica de laissez-faire; talvez me contasses
coisas sobre ti. Porque é que quanto mais sei de ti, mais quero saber?
E talvez depois pudesse dizer-te um ou dois poemas que tenho constantemente
presos na cabeça, e tu talvez gostasses; ou comer um gelado de morango, e fumar
um cigarro – são coisas que raramente combinam bem, mas a mim dá-me um prazer
distinto.
Contava-te
uma história à beira-Tejo e fazíamos serão a olhar aquelas estrelas de Lisboa,
que são só uma ou duas, como se toda a luz da minha cidade sugasse o céu para
si. É verdade que sim, sei que também o sabes; é que a mim a cidade dá-me luz,
tão mais luz que a Lua.
Sinto alguma
vontade de ser diferente, cerca de ti. Mas só alguma: há outros momentos em que
dou por mim a rever mentalmente a minha vida e vejo erros atrás de momentos
menos bons. Nem sei se devo dar-te a mão ou o braço; talvez apenas deixar-te
mirando Selene, só com os teus cabelos.
Hoje
apetece-me cantar canções daquelas menos para mim; mais calminhas. É que
habitualmente sou um furacão à espera de acontecer, habitualmente torço-me a
mim mesmo na plenitude de me exprimir.
E hoje só me
assalta esta vontade de ser menos eu, menos tu. Menos tudo.
Hoje só me
apetece dar os braços ao vento em abraços de fumo; largar as amarras que me
prendem à cadeira, deitar de fora os cabelos à chuva que poderia fustigar-me os
vidros.
Por falar
nisso, nunca te perguntei se gostas de chuva. Ou de Nietzsche. Ou de acelerar
por entre curvas impossíveis a ouvir canções de embalar.
Por falar
nisso, nunca te mostrei os meus devaneios antigos. Sinto que mostrando-te não
teria tanta vergonha deles; e acredita-me, são ridículos. Tristes, enfadonhos.
Demorei anos a saber escrever, e ainda assim questiono-me amiúde, será que sei,
será que não sei.
É demasiado
inverosímil, cria-se um estilo próprio e ninguém é capaz de o ajuizar; estou
sentado numa secretária de madeira desconfortável e ainda assim sinto a maresia
nos meus olhos. E dá-me vontade de te perguntar se a sentes também.
Alongo-me em
coisas inúteis, como aliás é costume; inutilidades, sempre inutilidades à minha
volta. Prateleiras de livros a cheirar a velho. As coisas são, geralmente,
melhores com tempo; melhores com História.
E é isso que
sempre busco e sempre me falta: tempo; uma história.
Por isso é
que me apetecia dizer que a minha história começava hoje; que hoje seria o
primeiro dia do resto da minha vida.
O que me
apoquenta é que sei falar ainda melhor do que escrevo: não sofro de problemas
de expressão. Soa-me tudo bem em português e, invariavelmente, acabo por dizer
coisas que não quero.
Acabo por
sonhar coisas que não quero.
Acabo por
dizer a verdade sobre coisas que não quero,
E acredita
em mim que, neste caso, só me apetecia contar-te mentiras.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Meu amor, lembras-te de quando tinha mil e um nomes para ti
Meu amor,
lembras-te de quando tinha mil e um nomes para ti? E depois desapareceram
todos, como se uma nuvem de nevoeiro os esfumasse. É quase esclarecedor que te
veja aos percalços por entre as pedras da calçada sem ninguém para te segurar,
como se eu fosse o teu ponto de suporte, o teu ponto de equilíbrio.
Resta-me,
contudo, questionar-te sobre as nossas opções. É que a mim causa-me transtorno
e faz-me espécie ver-te numa espécie de limbo. Na realidade, só gostava de
ver-te feliz, e a sonhar aos pedaços e, no entanto, essa visão parece-me
desafogada de um mundo relativamente existente. Fazes-me falta; e nem sequer
tenho forma de te dizer olá. Fazes-me espécie; e nem sequer tenho forma de te
fazer sorrir ou sentir melhor.
E se
fôssemos os dois ali ao quebra-mar, será que me pegavas na mão e a colocavas
por cima do ombro, e os teus cabelos cor de prata a esvoaçar nos braços de
Selene. Será que fazíamos uma espécie de consternação semi-celeste com trinta
constelações diferentes e nos fundíamos em Saturno ou Júpiter à procura de uma
vida melhor, um mundo melhor para duas pessoas melhores; melhores do que todas
as outras.
Questiono-me
ainda se seremos realmente melhores; é que em metades não somos nada, e
completos somos menos ainda. Na verdade, fico feliz de não poder dizer-te nada
porque nem saberia o que te dizer; e fico feliz de não poder fazer-te feliz
porque nunca saberia fazer-te feliz. Esse teu mundo está tão longe do meu, e
tão perto.
Nem sequer
existem quilómetros quadrados a separar o que fazemos, e nem sequer me
atormenta essa ideia; apenas nos meus momentos criativos me transformo noutro
ser: mais perfeito, menos óbvio, mais introvertido e menos obrigatório. Olha,
mulher, menina, qualquer ser que me assalta os sentidos, tinha tanto para te
dizer e subitamente tenho tão pouco; tão pouco que te descreva as pestanas, tão
pouco que te destrua as faces.
Agora, que
estou deitado à busca de palavras, busco-te por entre as minhas ideias. Meu
amor, apanha o meu navio; voguemos pelo Atlântico à busca de outras palavras
que eu não tenha para te dar, em vez de desperdiçar as solas dos sapatos em
percursos inúteis e os ouvidos em discursos ridículos.
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Não me apetece perder tempo
Não me
apetece perder tempo; não contigo e não agora.
O tempo que
passa é breve e perde-se tão fugazmente
Nos balanços
desse teu Sol. Nem sequer sou capaz de medir
Em tempo as
tuas filosofias; antes medir os teus silêncios,
Que são mais
profundos e dizem-me tão mais de ti que as tuas palavras ocas.
Não é uma
questão difícil, recorda-te da tua superioridade,
Recorda-te
da tua própria vida e da tua mortalidade e faz-me crer que sim,
Que também
sou mortal – pelo menos às vezes – e amoral na maior parte dos casos.
Não te peço
que nos juntemos para crer em Deus, até porque seria contraproducente,
Puxávamos
para o mesmo lado e chegávamos simplesmente à conclusão de que é impossível
Crer num
Deus que não sabe dançar, nem cantar, nem mexer os braços.
Minha onda
no Tejo; meu mar, meu sangue, minha Lusitânia em forma humana,
Não me
deixes perder-me em ti nem pegar-te na mochila;
Nem eu nem
tu aguentaríamos esse esforço, nem que torcêssemos o pescoço
E provável
seria que nos estatelássemos no solo. Aliás, é todo esse o meu problema,
O chão,
sempre o chão, o fogo no chão e a água que vai caindo no chão.
Chove,
Lisboa. Chora por mim. Por ti, e por Ela, por Nós, por Vós que ides
Caindo no
chão à medida que passo; Nem eu nem tu somos sós, amor-cidade minha,
E vêm de
todo o lado para nos ver sonhar acordados.
Gosto de ti
no Outono; mas dispenso-te no Verão. Amo-te no Inverno.
És Portugal
na perfeição de ser intenso, imenso e bruto Portugal, forte e doce Portugal,
Na grande
família de ser-se perto estando-se longe, tão mais longe.
Deixa de me
fazer sonhar, por favor. Peço-te encarecidamente.
Já me chega
esta sensação de estar a cair num poço de que nem vejo o fundo,
Se bem que
eu, como o poeta, tenho a tendência a dormir com uma e sonhar com mais de mil.
Em suma, não
venhas tarde. Vem a tempo e levanta os olhos do chão; faz-me espécie
Ver-te
triste.
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Requiem
Dei comigo a
pensar baixinho: será que consegues ouvir-me?
Até pensei
em não te escrever, sabes, mas fazia-me espécie.
Pouco depois
cheguei à conclusão de que provavelmente valeria a pena escrever-te qualquer
coisa, não caia a hipótese de os correios lá em cima funcionarem mesmo e eu ter
perdido vinte e quase dois anos a desacreditar nestas coisas; mas não te
preocupes, eu sei que também não acreditavas.
Por falar
nisso, viste a batina do padre? Achei curioso, nunca te vi vestido de lilás.
Escrevo-te
isto para te dizer que tenho aqui o teu bilhete guardado para o Atlético. O meu
avô queria oferecê-lo, mas não faz assim tanto sentido. É teu, em geral era
sempre teu.
Lamento
também um pouco não te ter dito mais nada depois de te ter ligado no sábado. Estava
à espera deste feriado meio parvo para te ir visitar; tinhas de fazer-me o
desgosto de não me dar tempo.
Não te
censuro. Mas, de resto – e nunca te disse – fazes-me falta. Sei que me viste
chorar hoje. E sei que te desapontei, sei que não querias que chorasse por ti.
E depois só
conseguia pensar em bola. Foi um pouco ridículo.
Lembras-te
daquela vez que fomos ver a bola à Luz – sinceramente nem me recordo do
resultado – mas sei que foi qualquer coisa diferente porque me ficou apegado à
memória.
Pergunto-me:
será que foste de lambreta ou de trotinete? Os copos são pequenos, eu sei, mas
eu tentava sempre que ficassem com a gravata pequena.
Ademais, é
extremamente estranho estar aqui a pensar em ti e a escrevinhar esta meia dúzia
de coisas a martelo. Sabes que sempre me irritou as pessoas que utilizam a
expressão “bruxo”. E, caramba, se tu a usavas. Mas digo-te ainda que nunca me
irritou, nem por um segundo quando o dizias. Devia ser só por seres tu.
Além disso
custa-me estar a escrever-te isto. Não porque me escorram lágrimas pela cara;
as que tinha para derramar por ti já foram e eu sei que tu nunca as quiseste.
Só te peço que por acaso, se tiveres visto, e te tiveres sentido triste comigo,
não mo contes.
Na realidade
não sei quanto tempo vou demorar para te dar um abraço, pá.
Sei contudo
que há-de acontecer. Agora, ou daqui por uns anos, vamos voltar a falar e eu
provavelmente vou chegar e dizer «Caraças, ‘tás por cá?» e tu vais responder-me
«Bruxo!».
Queria
também dizer-te que durante estes sete ou oito anos foste das melhores pessoas
que vi por ali; há mais um ou dois (estou claramente a diminuir o número) mas
até nem me importava muito de andar a tirar cafés quando estávamos para lá a
conversar.
Vê se apareces.
Já tenho saudades de te servir uma imperial.
Vejo-te do
outro lado.
Um abraço do
tamanho do mundo,
Rodrigo de Oliveira.
P.S.: Memento Mori.
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Podíamos sonhar a dois
Podíamos
sonhar a dois.
Mesmo que,
enfim, acordássemos para uma beleza esquecida.
No fundo,
saberias que o que nos causa dor é somente em que cremos;
E, às vezes,
o amor, é feito de meia dúzia de reminiscências
E copos
vazios à sombra de dois carvalhos.
Nem sequer
faz falta uma mão ausente; Nem dois braços em forma de cepo
Quanto mais
pensar em cabelos esvoaçando ao vento.
Não sabemos
imaginar que o teu cabelo é dourado,
Porque somos
completamente inóspitos e serenos;
Nem sabemos
apagar as velas e ficar à espera que o mar desapareça em surtos de espuma.
Em suma, é o
que imaginaremos sempre que tudo se esfuma:
Deixa os pés
embaterem com força na frieza do areal
E a maresia
penetrar-te como o silêncio dos seixos.
Arredonda-te
então aos soluços de Éter
E deixa que
Eris te fale aos ouvidos
As palavras
que nunca te direi.
Ouves a
canção que sai dos dedos meus dedilhando as cordas?
É na noite
que as ondas não-electromagnéticas se propagam na tua peugada.
O que sinto
fundamentalmente é falta de Helios.
Minha irmã,
minha Saudade, meu céu azul roçando a Serra,
Dá-me o meu
sangue atiçado a ouro
Espirrando
em velas de Caravela.
Eu, tu, e o
maremoto que Atlante causava ao ver-nos passar.
Meu amor,
minha caravela, meu corvo negro pousado na proa,
Fazes-me
sentir Paris sentindo Lisboa.
Meu veludo
que sopra o fumo azul ao cigarro, minha almofada,
Meu tudo e
meu nada.
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
Não me peças que te faça milagres nos dedos
Não me peças
que te faça milagres nos dedos; não os sei, nem quero.
Faz antes de conta que somos silêncio e o vento nos embala.
Olha-me os
olhos aos olhos dos outros; diz-me agora: não sou perfeito?
Ainda ontem
fazia Primavera. Ainda ontem choviam ondas nos céus de Lisboa.
Foi-se a
noite aos pés do dia; ficámos assim, com os braços entrelaçados em abraços
Como quando
choravas pela primeira vez; questionava-te.
Meu amor,
como é que sonhámos as primeiras luzes e os primeiros saltos
A ecoar na
calçada? E depois nos vestimos, saindo para a rua, com os teus lábios
Dentro dos
meus sentidos. Quantas vozes e vestidos e semáforos e borracha
E vinho,
doce, quente, anisado. Deste-me essa tua cruz, às voltas de sangue
E eu sem te
querer, nem te entender. Deixa-me antes ir, não poderia ser comandado
Nem pelos
mares da Lusitânia. Quisesse eu ser navio e vela, talvez anzol,
E vogar ao
desperdício por entre o sal; pudesse eu ornar-me de peixe e volver
À
procedência, fazer-me de cinco pontas. Imaginas, meu amor, quem sabe um dia,
Se formos só
o silêncio, poderemos dançar pelas nuvens ao som de uma suite qualquer, como se o
Bolshoi fosse nosso, ou Paris, ou Barcelona? É isto que eu sinto, abanar os ombros e
dizer-te que te quero e que seria perfeito, mas tão perfeito, imensamente perfeito, se
ao menos existisses, como nas palavras do poeta que gritava que o seu amor estava perto.
Eu também não sou certo, e sabes que mais, certamente que nunca
foste.
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Hoje acordei e falava estranho.
Hoje acordei e falava estranho.
Como se tivesse às portas da boca a Alsácia e a Lorena, e falasse da Aquitânia e da Normandia como quem as habita. E penso, pensava, para quê ir a Bordéus com o Douro tão perto, quem trocaria Paris por Lisboa.
Eu quis ser Balzac ou Sartre, quis escrever na gaulesa e não pude; não é que as palavras não saíssem, apenas formava meia dúzia de considerações vazias sobre a personalidade portuguesa.
Saudade.
Saudade.
Pas de la danse macabre, pas de le carnaval des animaux, pas de Saint-Säens, pas de Ravel, pas de Debussy, pas de Berlioz.
Eu queria viver em Montmartre ou Montparnasse e esquecer-me do Rossio, e não fui capaz. Deitava-me ao vento, à procura dos lilases que Charles cantava e, de facto, morriam-me por entre os dedos.
Canto-te, Saudade, porque não trocaria Lisboa por Paris, nem Paris por Lisboa; não trocava a minha língua pela de Napoleão, lupus sum.
Como te quero, como te amo, como quero que sejas minha. Percorrer as tuas veias como se fossem as minhas, vogar do Bairro à Graça num ápice de quem sonha.
Prefiro, mas nem assim trocaria Baudelaire por Pessoa.
É como entrar no Atlântico e sentir à beira-chão o toque, do que nunca foi mas se fez nossa mãe.
Tenho Saudades tuas, Portugal.
De quando o teu povo não se atirava ao chão como um marioneta,
De quando te fizeste homem a cortar as ondas a perder de vista.
De quando descobriste e civilizaste um país que hoje faz vinte de ti e usa a tua linguagem.
De quando todos te desdiziam e tu jogavas xadrez ao mesmo tempo com os dois maiores do mundo a troco de pedaços de rocha.
Tenho Saudade tua, Portugal.
De O'Neill e de Mourão, que escreviam dos teus desgostos.
Saudades de Lisboa quando os eléctricos passavam à minha porta; como não poderia deixar de ser, tiraram-nos. Ficaram as linhas.
Saudade de Portugal quando tudo o que foi deixou de ser; não deixou apenas de ter esse nome.
Tenho Saudade tua, Lisboa. A mesma Saudade que África cantou. A mesma Saudade que o Brasil vai chorando de ti - e de mim. A mesma Saudade que fez Índia tremer.
Em suma, fazes-me falta. A falta de quem existe sem existir realmente.
A falta da lupina raiva que se perdeu pelos tempos.
Ai, Portugal, feliz de não seres França.
Nem Hollanda.
Como se tivesse às portas da boca a Alsácia e a Lorena, e falasse da Aquitânia e da Normandia como quem as habita. E penso, pensava, para quê ir a Bordéus com o Douro tão perto, quem trocaria Paris por Lisboa.
Eu quis ser Balzac ou Sartre, quis escrever na gaulesa e não pude; não é que as palavras não saíssem, apenas formava meia dúzia de considerações vazias sobre a personalidade portuguesa.
Saudade.
Saudade.
Pas de la danse macabre, pas de le carnaval des animaux, pas de Saint-Säens, pas de Ravel, pas de Debussy, pas de Berlioz.
Eu queria viver em Montmartre ou Montparnasse e esquecer-me do Rossio, e não fui capaz. Deitava-me ao vento, à procura dos lilases que Charles cantava e, de facto, morriam-me por entre os dedos.
Canto-te, Saudade, porque não trocaria Lisboa por Paris, nem Paris por Lisboa; não trocava a minha língua pela de Napoleão, lupus sum.
Como te quero, como te amo, como quero que sejas minha. Percorrer as tuas veias como se fossem as minhas, vogar do Bairro à Graça num ápice de quem sonha.
Prefiro, mas nem assim trocaria Baudelaire por Pessoa.
É como entrar no Atlântico e sentir à beira-chão o toque, do que nunca foi mas se fez nossa mãe.
Tenho Saudades tuas, Portugal.
De quando o teu povo não se atirava ao chão como um marioneta,
De quando te fizeste homem a cortar as ondas a perder de vista.
De quando descobriste e civilizaste um país que hoje faz vinte de ti e usa a tua linguagem.
De quando todos te desdiziam e tu jogavas xadrez ao mesmo tempo com os dois maiores do mundo a troco de pedaços de rocha.
Tenho Saudade tua, Portugal.
De O'Neill e de Mourão, que escreviam dos teus desgostos.
Saudades de Lisboa quando os eléctricos passavam à minha porta; como não poderia deixar de ser, tiraram-nos. Ficaram as linhas.
Saudade de Portugal quando tudo o que foi deixou de ser; não deixou apenas de ter esse nome.
Tenho Saudade tua, Lisboa. A mesma Saudade que África cantou. A mesma Saudade que o Brasil vai chorando de ti - e de mim. A mesma Saudade que fez Índia tremer.
Em suma, fazes-me falta. A falta de quem existe sem existir realmente.
A falta da lupina raiva que se perdeu pelos tempos.
Ai, Portugal, feliz de não seres França.
Nem Hollanda.
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Mes Misérables
És pequeno.
Vais contendo em ti a imensidão de querer saber tudo sem saber nada.
Como um relógio, vais alimentando-te da corda
Que te vão dando.
Uma memória curta é, por sinal,
O sinal de uma mente igual;
Nada em ti pede água a alguém
E já te expliquei que és um relógio.
Um dia vais acordar e ficar sem corda,
Partindo do pressuposto que já gastei as desilusões;
E nesse dia serás fogo,
Vagamente absorvido por outro fogo
Que ressoava fortemente contra o vento.
És um relógio que mostra horas erradas;
Tão erradas quanto a sua existência.
E o problema que causas não é nada mais
Que a irritação de açambarcares sem sequer pedir
O local onde costumava eu marcar as horas.
Tu est heureux quand je suis pas;
mais heureux est lui qui a pu pénetrer des causes sécretes des choses.
Até lá serás apenas um relógio partido a que dão corda sem saber.
Foge-te vampiro.
Funde-te doutro lado e desaparece.
Ninguém te deve nada nem mereces que te devam.
És somente o tempo - noutro tempo;
Um relógio à espera de ser fulminado por uma torre.
Vais contendo em ti a imensidão de querer saber tudo sem saber nada.
Como um relógio, vais alimentando-te da corda
Que te vão dando.
Uma memória curta é, por sinal,
O sinal de uma mente igual;
Nada em ti pede água a alguém
E já te expliquei que és um relógio.
Um dia vais acordar e ficar sem corda,
Partindo do pressuposto que já gastei as desilusões;
E nesse dia serás fogo,
Vagamente absorvido por outro fogo
Que ressoava fortemente contra o vento.
És um relógio que mostra horas erradas;
Tão erradas quanto a sua existência.
E o problema que causas não é nada mais
Que a irritação de açambarcares sem sequer pedir
O local onde costumava eu marcar as horas.
Tu est heureux quand je suis pas;
mais heureux est lui qui a pu pénetrer des causes sécretes des choses.
Até lá serás apenas um relógio partido a que dão corda sem saber.
Foge-te vampiro.
Funde-te doutro lado e desaparece.
Ninguém te deve nada nem mereces que te devam.
És somente o tempo - noutro tempo;
Um relógio à espera de ser fulminado por uma torre.
sábado, 8 de setembro de 2012
Meu Ego
Caminha-se a
passos largos para uma desgraça eminente. O mal é que tu não sabes, nem eu sei,
o que vira esquinas no futuro. Não sabemos se tu, Portugal ou o Mundo vão
estar aqui à espera das nossas sementes, quando finalmente as nossas árvores
carnívoras desabrocharem noutras vidas.
Não sabemos
nada, meu amor. Na realidade, escrevo-te a ti por não saber a quem mais
escrever e ter demasiado receio de expor as ideias ao vento. Por isso te
escrevo, meu Eu, meu Ego, meu tudo. Tenho demasiado receio de não saber o que
pensar.
Não temos
nada. Não temos nada há quatro décadas; problemático é afirmar que agora temos
menos. Cada vez menos. Qualquer dia até para olhar para o Tejo é preciso pagar
alíquotas. Qualquer dia até para esboçarmos um aceno uns aos outros escondemos
as mãos. E lá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim. Mas onde? E como
diria o mestre, que fazer quando tudo arde?
Hoje os meus
anseios atingem um ponto de ebulição relativamente alto. Não é pelas duas dezenas
de pontos percentuais de ontem, não é pelo agravamento geral das condições
socioeconómicas, nada disso. É apenas porque gosto tanto do meu país e não lhe
antevejo solução.
Não é uma
questão política. Nem uma recta, nem uma esfera, nem dois lados de barricada.
Há tanto tempo que isto deixou de ser uma guerra e ninguém percebe. Há tanto
tempo que as soluções vão escasseando e cada inimigo cospe ao vento soluções
vazias. E se tivesses ideias, se ao menos tivesses ideias, teriam tanta
validade como gritar palavrões na rua. É que de nada servem, e tu de nada
servirias.
Já nem me
demoro a pensar nestas coisas vazias; só me aflige o meu Portucale. O meu
pedaço de horizonte no meio do Mar. Preocupa-me ir e não saber para onde, nem
voltar sem saber porquê. Preocupa-me dentro de uma década ser obrigado a sentir
saudade do local onde cresci. Já nem a língua deixam em paz, nem os costumes.
Querem obrigar-me a falar português do outro lado do Atlântico, e a minha
língua quase milenar está perimortem.
Faz-me falta
alienar-me disto, e de uma vez por todas alinhar com a malta. Estou farto de
lutar contra uma maré que não está complacente com as fases de Selene.
Que fique
também claro que não tenciono sair daqui, nem procurar a sorte noutros Mares.
Para mim ser português é ser tenaz, é sentir até ao fim e sem sentir saudade.
Serei sempre
teu, meu Eu, meu Ego, meu tudo, minha Lisboa.
O che sciagura d’essere senza follia.
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Correspondência vol. I
Quero começar por dizer que não te odeio. Pelo menos não daquela forma visceral que se odeia algo palpável. Sou capaz de sentir uma ligeira inclinação a desgostar de ti. Mas nesse caso concordarás certamente que a culpa é tua. Ninguém te aconselhou a tomar determinadas atitudes por uma questão de despeito, e ainda que o tivessem feito, caber-te-ia a ti agir de acordo com a idade que tens.
É que nem sequer é uma questão de rectidão, bastava-te não mentir. Se não emulasses um desinteresse fingido, ninguém te tinha pedido satisfações. Fazias de conta que a transpiração te chegava e depois falava-se nisso. Mas não chegava, não se falou nisso. Colocas para dentro como um pacote de lenços invertido e fechas-te em copas nas porcarias que praticas. É por isso que te digo que não te odeio, ninguém odeia a sofreguidão.
Sessenta dias, nem tanto, chegam para que dês à volta à tua mente, sem teres acesso ás repercussões dos teus actos. Sessenta dias depois de negares, de jurares a pés juntos a oposição do que praticas. Desculpas-te com retóricas de dezasseis anos, de ideias de que as coisas acontecem por acaso. Sabes que mais, não acontecem. As coisas simplesmente não «acontecem». O que acontece é deixares-te levar por elas e nesse caso tem ao menos a inteligência de assumir a tua culpa, como assumes em público o que andas a fazer - mais uma vez sem dar satisfação a quem convém.
Deixa-me repetir que não te odeio. É que ninguém odeia a incoerência nem a falta de nexo. Dás-me vontade de nunca mais te abrir a boca, mas creio que nem isso já te importa. É este o problema daqueles que encontram essa ideia desregrada de amor, esquecem-se das virtudes da amizade. E quando o amor acaba, vêm correndo beber das palavras como o rio corre para o mar. Pode ser que nesses tempos já seja eu seco como um rego.
A mim não me causas transtorno nenhum. Nem tu, nem os teus fantasmas, nem os antigos, nem os novos. Simplesmente não te desculpes aos meus ouvidos como se fosses a pessoa com menos culpa do cartório e nem inventes que não sabes falar nas coisas. A mim cabia-me pelo menos saber das coisas em antemão e não receber desculpas de engenhocas semi-avariadas apenas porque sim.
Não te odeio, de todo. Mas podes crer que pelo menos durante algum tempo, te mandarei dar a volta à Sintra quando me chamares teu «amigo».
Post-Scriptum: Redigido, transcrito e revisto antes de ser hora de gente.
É que nem sequer é uma questão de rectidão, bastava-te não mentir. Se não emulasses um desinteresse fingido, ninguém te tinha pedido satisfações. Fazias de conta que a transpiração te chegava e depois falava-se nisso. Mas não chegava, não se falou nisso. Colocas para dentro como um pacote de lenços invertido e fechas-te em copas nas porcarias que praticas. É por isso que te digo que não te odeio, ninguém odeia a sofreguidão.
Sessenta dias, nem tanto, chegam para que dês à volta à tua mente, sem teres acesso ás repercussões dos teus actos. Sessenta dias depois de negares, de jurares a pés juntos a oposição do que praticas. Desculpas-te com retóricas de dezasseis anos, de ideias de que as coisas acontecem por acaso. Sabes que mais, não acontecem. As coisas simplesmente não «acontecem». O que acontece é deixares-te levar por elas e nesse caso tem ao menos a inteligência de assumir a tua culpa, como assumes em público o que andas a fazer - mais uma vez sem dar satisfação a quem convém.
Deixa-me repetir que não te odeio. É que ninguém odeia a incoerência nem a falta de nexo. Dás-me vontade de nunca mais te abrir a boca, mas creio que nem isso já te importa. É este o problema daqueles que encontram essa ideia desregrada de amor, esquecem-se das virtudes da amizade. E quando o amor acaba, vêm correndo beber das palavras como o rio corre para o mar. Pode ser que nesses tempos já seja eu seco como um rego.
A mim não me causas transtorno nenhum. Nem tu, nem os teus fantasmas, nem os antigos, nem os novos. Simplesmente não te desculpes aos meus ouvidos como se fosses a pessoa com menos culpa do cartório e nem inventes que não sabes falar nas coisas. A mim cabia-me pelo menos saber das coisas em antemão e não receber desculpas de engenhocas semi-avariadas apenas porque sim.
Não te odeio, de todo. Mas podes crer que pelo menos durante algum tempo, te mandarei dar a volta à Sintra quando me chamares teu «amigo».
Post-Scriptum: Redigido, transcrito e revisto antes de ser hora de gente.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
E se fôssemos os dois ali ao quebramar?
E se
fôssemos os dois ali ao quebramar? Eu pegava-te na mão e se calhar partíamos
doutras ondas que não as dos cafés que consumimos sentados. Costumava ir lá em
novo, quando a minha avó ainda respirava e me conduzia pelos molhes; no fundo,
a familiaridade seria outra, eu fazia-te festas nos cabelos e fingíamo-nos interessados um no outro, como quem olha para a rua por não ter
melhor que fazer. Conheces bem Lisboa? A mim esta cidade sempre me deu vontade
de a comparar com Paris, e até sei que a relação é nula mas que se pode fazer,
é como se todos os pombos fossem os mesmos e viessem apegados às asas da águia
azul que liga as duas capitais. Olha-me nos olhos e diz-me que não conheces
Lisboa; é que eu sempre fui um guia extremamente solícito e levar-te-ia
facilmente onde quisesses. Podíamos passear pelo Rossio e subir a Mouraria,
comprar laranjas nas lojas de esquina e sugar-lhes o sumo com duas palhinhas de
vento; ou então seguir na direcção oposta, subir a Santa Luzia e visitar o
Castelo, olhar para a colina das Amoreiras e ver o Tejo a perder de vista.
Ou podemos
simplesmente continuar a caminhar mentalmente, como uma espécie de cinética que
não existe, onde não nos tocamos, eu olho-te por entre sorvidas do café e tu
atiras-me sorrisos entredentes. Eu já bebia outro café, sabes? E pedimos,
pedimos mais dois, mais três, por entre cigarros desmedidos, e partilhamos
histórias dessa juventude perdida que já não volta, desses tempos em que havia
mais media dúzia de tostões a tilintar nos bolsos e dois contos davam para
tomar o pequeno-almoço durante semana e meia. Ia à pastelaria da esquina do
Largo de Alcântara e comia torradas a abarrotar de manteiga. É que eu sempre
fui gordo, não sei se se nota, mas adorava comer tudo o que me fosse de certa
forma indesejável, da mesma forma que continuo a ter desejos que me deitam
abaixo. O mais certo é que sejamos todos assim, principalmente eu e tu, vejo a tua mão avançar pela mesa para segurar na minha, mas não estou seguro
dessa vontade, e até sei que não a desejo. O problema é que a física me avisava
para a inércia dos corpos e eu não ligava, a química contava-me que os corpos
se expandem com a temperatura, e nem assim eu ligava, e nem quando a matemática
me advertia que invariavelmente se coloca um x e um y na mesma equação eu
ligava. É que nunca fui de me dar às ciências duras, nem às durezas da vida, e
sempre me dei mais a filosofias, tenho este horrível hábito de começar
demasiadas frases por “É que” e “E se” e todas essas conjunções que não servem
para nada. Fazem-me falta os tempos em que podia dizer o que me apetecia e nada
se movia por isso; agora quando falo, em específico polemicamente, parece que
um alinhamento estranho digno de invenções zodíacas se atravessa no meu caminho
e dou comigo a pensar que mal é que eu fiz para merecer que me julguem por meia
dúzia de palavras, que mal que eu fiz para nem sequer conseguir chamar a chuva.
E se agora te desse a mão, provavelmente faria Sol e eu nem gosto muito de
calor; o problema é esse mesmo, causas-me calor. Eu gosto de frio, frio
cortante. E não desejo nem o calor da tua pele nem o silêncio dos teus abraços.
Antes prefiro que fales a perder de vista, para eu me poder calar e ver nos
teus olhos azuis outra cor qualquer, e os teus cabelos lisos encaracolando como
fadas. Bem sei que as minhas palavras são lâminas, e bem sei que me poderás
compreender nunca, ao menos enquanto te enquadrares em mim dessa forma tão
leviana; as hipóteses de findar este dia nos braços um do outro são nulas, e
acredita que tens uns braços bonitos.
Eu é que já não preciso de água, e tu
nunca me fizeste chover.
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Se eu te adocicasse palavras por entre o fumo do meu cigarro, mentir-te-ia.
Se eu te
adocicasse palavras por entre o fumo do meu cigarro, mentir-te-ia.
Acreditaríamos
ambos que, por um segundo, fomos de facto livres e melhores que nós para
descobrir no momento a seguir que as nuvens nos engoliam como se fossemos
cinzas.
Fundamentalmente,
o que me distingue destes químicos que o meu prazer me larga ao chão é tão
somente uma questão materialista; a diferença de constituir grande percentagem
de água ou queimar rapidamente, a de deixar de raciocinar de forma simples ou
vagamente soçobrar comandado pelo vento.
Afasto-me.
O cerne é o
de te contar que nada faz sentido sequer. Até a internet me diz que nada faz
sentido. Se eu pegasse na tralha e te tocasse a campainha violentamente,
dir-me-ias que esperasse pela manhã, como quem enxota um gato, e o certo é que
esperaria no teu alpendre pela taça de leite da tua presença.
Se me
puxasses pelo braço, eu responder-te-ia torto e tu sentir-te-ias noutras
vertentes de sentimento. E na verdade, eu sofro deste mal tão mais premente de
violentar o que mais amo. Desde novo, quando brincava com as figuras de acção,
tanto mais esgotava a preferida que se transformava sempre na primeira a
partir.
E nós não
somos marionetas. Sabes que gostaria de colocar os meus dedos por detrás dos
teus cabelos à beira desses fios que te ordenam, e puxar-tos como se fossem de nylon ou outro material qualquer desses
que se definem por estrangeirismos, e fazer-te agir da forma que gosto, ou que
considero correcta.
Afinal de
contas, ao fim de vinte e um anos, resta-me compreender que existe um mundo
além do meu umbigo, por mais que o meu umbigo constitua um mundo por si só.
Na
realidade, todo o problema é esse. É esta arrogância, este desprendimento, este
palavrão que sai tão fácil e tão facilmente o controlaria. O que me esgota é a
falta de controlo, o excesso de rotinas; não sucumbir à vontade de pegar na
trouxa e bater à tua porta e dizer-te palavras adocicadas no fluido agridoce do
meu cigarro. E não te dar tempo que batesses com a porta como quem faz um esforço
enorme para se mostrar aborrecida, e não dormir no alpendre à espera que
acordasses, mas acordar ao teu lado na taça de leite úmbreo que são as íris dos teus olhos.
O que me
aflige realmente é saber que acordarei amanhã à espera de um dia qualquer que
nunca há-de chegar em que fôssemos os dois à beira Tejo olhar para uma manhã a
clarear em lençóis vazios.
E o que
prende mais ainda, é saber que escrevo cartas de madrugada, sem saber muito bem
porquê nem para quem, a imaginar personagens à laia de femme fatale que só existem na minha mente.
Se
precisares de um nome, responder-me-ás. Caso contrário, faço de conta que
ninguém sabe sequer que a onomástica existe e dormimos os dois na mesma cama,
mesmo que eu seja de carne e osso e tu te esfumes em vapores de éter.
Lembras-te
de Lisboa nos tempos de sal e quimeras;
Nos tempos
em que as laranjeiras floreavam em Abril
E o pão
quente navegava em odor nos ares?
É que desta
janela só se vê cinza,
E eu fico
perdido a observar os caminhos
Que nos
levam daqui a Sintra,
Como no
primeiro momento em que te toquei a face
E te contava
histórias em silêncios de véu.
Aqui donde
miro o Tejo nada floresce;
As calçadas
são quase breu
E o céu mal
me aquece.
É como se
encostasse mil flores
Contra os
meus próprios olhos
E as narinas
sorvessem apenas
O cheiro de
uma revelação.
Recordo
também as tardes que
Passava, passeando em
Belém
Comendo
sorvetes de nicotina
À beira da
torre.
Ouvia os
britânicos largarem sotaque pestilento
E cabelos
vermelhos a ulular ao vento
Palavras destilando estudado desdém.
E depois do
pontão de Algés,
As ondas
inexistentes do Tejo a bater na rocha.
O sal da
água doce a roçar o ar
E eu
gritando injúria ao vento;
Nem nessas
alturas se escapulia uma nuvem
Nem a chuva
caía a rodos como eu esperava
E me
engolisse o borrão negro.
E o Jardim
da Estrela de bancos verdes
E um
carvalho gigantesco,
Em tempos em
que ainda poucos mendigos haviam
E uma
depressão ridícula não havia roubado a alma ao nosso povo.
Fazia de
facto uma Primavera,
Não apenas
um Verão fingido,
Não havia
trinta graus em Maio nem os glaciares derretiam
E não
trovejava com tempo quente.
É este o
problema dessa lumière:
Acredita-se no progresso ilimitado
E o
espalhafato dobra a esquina próxima.
Deixam de
fazer sentido as considerações de outras espécies
E vemo-nos,
enfim, no olho do furacão.
Seria tão
mais fácil viver nessa ilusão diariamente,
Como quando
éramos crianças e
Jogávamos a bola contra o muro branco
No mesmo
gradeamento verde onde a velha caiu
E morreu e eu vi sangue,
Onde o carro
extravasou a estrada
Escolheu o homem que se sentava,
Onde eu
costumava almoçar quase todos os dias.
Continuo
vivo.
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Tudo é
silêncio.
Os caminhos de canaviais parados em beiras de estrada,
Água que
escorre pelas folhas.
Os meus
silêncios, esses,
São como
todos os outros, e esmorecem.
Diferem
somente por conter em si todas as letras do mundo;
Todos os
sais, e horizontes,
Como se
fossem cinzento
À espera de
clarear.
Aos outros, dá-se-lhes
silêncios moribundos
Dos que
ficam colados à pele e demoram-se a partir.
Como se
apenas eu me capacitasse
E conjurasse
palavras
Donde todo o
mundo segue sombras.
A mim, que não
me sobra água,
Duram-me os
ditos entre dedos,
Na madrugada
sorrateira
Raiando céus
de sangue.
Tu que me
alumias
Segue
cruzando as marés
Em cinéticas
de magnetismo infinito.
Há silêncios
por entre os passos que ressoam
Por entre as
tábuas de madeira por entre os canaviais de beira de estrada
Por entre os
sais, horizontes e cinzentos.
Quam aurea
est sua aura, Selene.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Soava-me a
Deus pelas pedras da calçada
E pelos
mármores dos caminhos
Adonde se me
alongavam as pernas
Em
exclamações inúteis.
De nada me
serve passear o cão contente
Ou raspar os
sapatos no alcatrão das estradas;
O vento
estremece a cada gesto
A cada
silêncio de cada madrugada.
Chove, Lisboa
maldita.
Pinta o teu
castelo de ácidos esverdeados,
Enquanto a
meia dúzia de metros raia o Sol branca Selene.
Não existem
sombras na noite escura.
Como se do
alto a alva Deusa se olvidasse das presenças
Nas ausências
de encontros fugazes;
Nem sonoras
sirenes cortavam a magnética bruma
Que esmorece
os sabores agrestes da maresia
Nem solares
discos assomam
Esbranquiçando
o céu cinzento.
Ao longe o
mar corta a rocha à falésia
E obriga-a a
quebramares profusamente oblíquos
E o som
ribomba no ar fresco dos dias
A explicar
ao divino a sua inexistência.
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Urgência
Tudo tem tempo:
As árvores as casas a chuva e as pedras.
Como se a Providência se limitasse a tudo,
E a nada.
Tudo existe, definidamente.
As cores têm tempo,
E os passos.
Os candeeiros e os pilares têm tempo.
O café e o chá têm tempo.
Até os mortos têm tempos;
Depois fazem pó.
Só eu é que não tenho tempo.
E passo pelas árvores pelas casas pela chuva pelas pedras pelas cores pelos passos pelos candeeiros pelos pilares pelo café pelo chá pelos mortos
E nada arrefece.
Os animais têm tempo;
As crianças, essas,
Têm todo o tempo do mundo.
Os outros também,
E existem.
E exaltam-se.
O bêbado que dorme enrolado no cobertor da esquina tem tempo,
E a senhora que o olha com desdém,
Também.
Só eu é que não tenho tempo,
E adio-me.
As flores têm tempo:
Abelhas obrigam-nas a procriar antes que esmoreçam
O poder tem tempo,
Tempo rotativo.
As monções, a oeste, têm tempo.
A sul, Helios, tem tempo.
Até recentemente se descobriu
Que o gelo, a norte, tem tempo.
Eu é que estou sentado à janela,
E o espelho reflecte-me a falta de tempo.
Olho para o mundo e é como se todomundo tivesse, acima dos cabelos, uma cronologia.
O próprio tempo tem tempo:
Confunde-se com o espaço.
O mar tem tempo,
E os peixes também.
Mesmo quando morrem
Vêm outros peixes
Tomar o seu lugar.
O leito dos oceanos tem tempo,
E os corais não mudam de cor.
As aves têm mais tempo:
Não são gente.
Cada ave não contém, em si,
A essência de ser única.
Todas as águias são só uma águia:
Assim, uma só águia tem tempo.
Os cães tresmalhados têm tempo.
Todas as raivosas bestas são sempre iguais,
Só amarelam com o tempo.
Eu é que sou urgente:
Não tenho tempo.
Quisesse ser mar ser peixes ser o leito dos oceanos e os corais ser aves ser águia ser cão ser amarelo
E não podia!
Em mim, já não corre água
E só esta seca, com o tempo.
É urgente, que faça de mim,
À parte do tempo:
Um outro tempo.
As árvores as casas a chuva e as pedras.
Como se a Providência se limitasse a tudo,
E a nada.
Tudo existe, definidamente.
As cores têm tempo,
E os passos.
Os candeeiros e os pilares têm tempo.
O café e o chá têm tempo.
Até os mortos têm tempos;
Depois fazem pó.
Só eu é que não tenho tempo.
E passo pelas árvores pelas casas pela chuva pelas pedras pelas cores pelos passos pelos candeeiros pelos pilares pelo café pelo chá pelos mortos
E nada arrefece.
Os animais têm tempo;
As crianças, essas,
Têm todo o tempo do mundo.
Os outros também,
E existem.
E exaltam-se.
O bêbado que dorme enrolado no cobertor da esquina tem tempo,
E a senhora que o olha com desdém,
Também.
Só eu é que não tenho tempo,
E adio-me.
As flores têm tempo:
Abelhas obrigam-nas a procriar antes que esmoreçam
O poder tem tempo,
Tempo rotativo.
As monções, a oeste, têm tempo.
A sul, Helios, tem tempo.
Até recentemente se descobriu
Que o gelo, a norte, tem tempo.
Eu é que estou sentado à janela,
E o espelho reflecte-me a falta de tempo.
Olho para o mundo e é como se todomundo tivesse, acima dos cabelos, uma cronologia.
O próprio tempo tem tempo:
Confunde-se com o espaço.
O mar tem tempo,
E os peixes também.
Mesmo quando morrem
Vêm outros peixes
Tomar o seu lugar.
O leito dos oceanos tem tempo,
E os corais não mudam de cor.
As aves têm mais tempo:
Não são gente.
Cada ave não contém, em si,
A essência de ser única.
Todas as águias são só uma águia:
Assim, uma só águia tem tempo.
Os cães tresmalhados têm tempo.
Todas as raivosas bestas são sempre iguais,
Só amarelam com o tempo.
Eu é que sou urgente:
Não tenho tempo.
Quisesse ser mar ser peixes ser o leito dos oceanos e os corais ser aves ser águia ser cão ser amarelo
E não podia!
Em mim, já não corre água
E só esta seca, com o tempo.
É urgente, que faça de mim,
À parte do tempo:
Um outro tempo.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Fa(c)tos
À parte dos meus sapatos, serei sempre um fato:
Tecido enegrecido, e meia dúzia de botões de plástico.
Se não fosse isto, não seria mais nada,
Nem sangue nem sede nem ordem nem árvores nem pedaços de vida.
Toda e qualquer filosofia estancou no tempo,
À procura de um silêncio menos profundo.
Nem trapos, nem farrapos, nem sono,
Não posso querer ser tudo; nem devo volver-me a nada.
Olho à minha volta, e compreendo que somos todos fatos:
O jovem banqueiro tropeça na gravata cor-de-rosa.
A rapariga dos calções curtos toma café na esquina,
E o cão repousa na calçada preso ao candeeiro.
A cabeleireira acabou de pintar as raízes, e já vem de dentro para fora
E os sapatos do taberneiro estão gastos, e ressoam.
À parte disto, nada mudou;
Nem os dedos nem as chances nem os sopés das montanhas nem os mares ao infinito nem o sol a brilhar em dias de chuva nem a chuva a cair em dias de sol nem o arco-íris a desenhar-se aos ventos nem as metáforas nem as mesas de café nem as madeiras das mesas nem os pés dos transeuntes nem os pneus das motorizadas nem o silêncio à porta de casa.
Em suma, somou-se o que houve,
E depois, nada.
Nem o ruído, mas, enfim, os braços.
Sumiu-se me a cinética inteira,
Varreu-se, e nem os lixeiros a vendem.
Bati à porta três vezes e nem o postigo se abriu, nem a velha vizinha me dava os bons-dias com o crucifixo ao peito.
Ela não é um fato: anda sempre de avental.
A criança veste o bibe num cerimonial quase avarento, estudado enfim, e o meu fato coçado dá-me impressão de já acinzentar com o uso.
Deito-me ao relento, e puxo um cigarro.
Contudo, nada sucede.
Nem as mágoas se esvaem nem os barcos cruzam o Tejo nem a erva se esbulha nem o isqueiro se acende,
E, dantes, quando puxava dum cigarro, o meu fato despia-se doutro fato que me acendia o papel.
É como se não houvesse lume para dar, e os fatos não tivessem lume;
A chama aliás, não tem pensamento algum,
Nem Prometeu prometia a filosofia do fogo.
E, contudo, apagou-se, como se a brisa varresse os silêncios do cume das terras dos antros das cidades dos arcos de Lisboa da augusta calçada;
O lume não ficou.
Apagou-se, e dava-se a conhecer, como se me pedisse água antes.
Se lhe pudesse ter respondido, diria que não me cabe no fato uma garrafa de água e não tenho nada por debaixo dele, nem água nem sal.
A rapariga dos calções curtos pousou a chávena e libertou o cão da prisão das luzes e o cão abanou o rabo e a rapariga baixou-se para lhe fazer festas e os calções subiram um pouco e eu olhei.
Talvez ela me pudesse acender o cigarro, ou valer-me como cinzeiro durante largos momentos, eu emprestava-lhe o fato e redescobríamos ambos o lume nas suas mãos.
Mas não: antes suspirei, desviava o olhar e seguia em frente.
Não sei vestir o que fato que trago despido, nem despir o fato que venho vestindo.
Se soubesse, atirava-o aos carris.
Não há filosofia nos homens de fato.
Só a escuridão do tecido enegrecido, e meia dúzia de botões de plástico,
Nem os sapatos de quem se imagina.
O meu fato cinzento nunca foi preto,
O dono do café da esquina faz-me sinal,
Acende-me o cigarro e eu não sei fumá-lo.
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