quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Requiem


Dei comigo a pensar baixinho: será que consegues ouvir-me?
Até pensei em não te escrever, sabes, mas fazia-me espécie.
Pouco depois cheguei à conclusão de que provavelmente valeria a pena escrever-te qualquer coisa, não caia a hipótese de os correios lá em cima funcionarem mesmo e eu ter perdido vinte e quase dois anos a desacreditar nestas coisas; mas não te preocupes, eu sei que também não acreditavas.
Por falar nisso, viste a batina do padre? Achei curioso, nunca te vi vestido de lilás.
Escrevo-te isto para te dizer que tenho aqui o teu bilhete guardado para o Atlético. O meu avô queria oferecê-lo, mas não faz assim tanto sentido. É teu, em geral era sempre teu.
Lamento também um pouco não te ter dito mais nada depois de te ter ligado no sábado. Estava à espera deste feriado meio parvo para te ir visitar; tinhas de fazer-me o desgosto de não me dar tempo.
Não te censuro. Mas, de resto – e nunca te disse – fazes-me falta. Sei que me viste chorar hoje. E sei que te desapontei, sei que não querias que chorasse por ti.
E depois só conseguia pensar em bola. Foi um pouco ridículo.
Lembras-te daquela vez que fomos ver a bola à Luz – sinceramente nem me recordo do resultado – mas sei que foi qualquer coisa diferente porque me ficou apegado à memória.
Pergunto-me: será que foste de lambreta ou de trotinete? Os copos são pequenos, eu sei, mas eu tentava sempre que ficassem com a gravata pequena.
Ademais, é extremamente estranho estar aqui a pensar em ti e a escrevinhar esta meia dúzia de coisas a martelo. Sabes que sempre me irritou as pessoas que utilizam a expressão “bruxo”. E, caramba, se tu a usavas. Mas digo-te ainda que nunca me irritou, nem por um segundo quando o dizias. Devia ser só por seres tu.
Além disso custa-me estar a escrever-te isto. Não porque me escorram lágrimas pela cara; as que tinha para derramar por ti já foram e eu sei que tu nunca as quiseste. Só te peço que por acaso, se tiveres visto, e te tiveres sentido triste comigo, não mo contes.
Na realidade não sei quanto tempo vou demorar para te dar um abraço, pá.
Sei contudo que há-de acontecer. Agora, ou daqui por uns anos, vamos voltar a falar e eu provavelmente vou chegar e dizer «Caraças, ‘tás por cá?» e tu vais responder-me «Bruxo!».
Queria também dizer-te que durante estes sete ou oito anos foste das melhores pessoas que vi por ali; há mais um ou dois (estou claramente a diminuir o número) mas até nem me importava muito de andar a tirar cafés quando estávamos para lá a conversar.
Vê se apareces. Já tenho saudades de te servir uma imperial.
Vejo-te do outro lado.

Um abraço do tamanho do mundo,
Rodrigo de Oliveira.


P.S.: Memento Mori.

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