Ainda te
apetece passear por Lisboa? Pensei que pudéssemos fazê-lo numa lógica de laissez-faire; talvez me contasses
coisas sobre ti. Porque é que quanto mais sei de ti, mais quero saber?
E talvez depois pudesse dizer-te um ou dois poemas que tenho constantemente
presos na cabeça, e tu talvez gostasses; ou comer um gelado de morango, e fumar
um cigarro – são coisas que raramente combinam bem, mas a mim dá-me um prazer
distinto.
Contava-te
uma história à beira-Tejo e fazíamos serão a olhar aquelas estrelas de Lisboa,
que são só uma ou duas, como se toda a luz da minha cidade sugasse o céu para
si. É verdade que sim, sei que também o sabes; é que a mim a cidade dá-me luz,
tão mais luz que a Lua.
Sinto alguma
vontade de ser diferente, cerca de ti. Mas só alguma: há outros momentos em que
dou por mim a rever mentalmente a minha vida e vejo erros atrás de momentos
menos bons. Nem sei se devo dar-te a mão ou o braço; talvez apenas deixar-te
mirando Selene, só com os teus cabelos.
Hoje
apetece-me cantar canções daquelas menos para mim; mais calminhas. É que
habitualmente sou um furacão à espera de acontecer, habitualmente torço-me a
mim mesmo na plenitude de me exprimir.
E hoje só me
assalta esta vontade de ser menos eu, menos tu. Menos tudo.
Hoje só me
apetece dar os braços ao vento em abraços de fumo; largar as amarras que me
prendem à cadeira, deitar de fora os cabelos à chuva que poderia fustigar-me os
vidros.
Por falar
nisso, nunca te perguntei se gostas de chuva. Ou de Nietzsche. Ou de acelerar
por entre curvas impossíveis a ouvir canções de embalar.
Por falar
nisso, nunca te mostrei os meus devaneios antigos. Sinto que mostrando-te não
teria tanta vergonha deles; e acredita-me, são ridículos. Tristes, enfadonhos.
Demorei anos a saber escrever, e ainda assim questiono-me amiúde, será que sei,
será que não sei.
É demasiado
inverosímil, cria-se um estilo próprio e ninguém é capaz de o ajuizar; estou
sentado numa secretária de madeira desconfortável e ainda assim sinto a maresia
nos meus olhos. E dá-me vontade de te perguntar se a sentes também.
Alongo-me em
coisas inúteis, como aliás é costume; inutilidades, sempre inutilidades à minha
volta. Prateleiras de livros a cheirar a velho. As coisas são, geralmente,
melhores com tempo; melhores com História.
E é isso que
sempre busco e sempre me falta: tempo; uma história.
Por isso é
que me apetecia dizer que a minha história começava hoje; que hoje seria o
primeiro dia do resto da minha vida.
O que me
apoquenta é que sei falar ainda melhor do que escrevo: não sofro de problemas
de expressão. Soa-me tudo bem em português e, invariavelmente, acabo por dizer
coisas que não quero.
Acabo por
sonhar coisas que não quero.
Acabo por
dizer a verdade sobre coisas que não quero,
E acredita
em mim que, neste caso, só me apetecia contar-te mentiras.
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