segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Não me peças que te faça milagres nos dedos



Não me peças que te faça milagres nos dedos; não os sei, nem quero. 

Faz antes de conta que somos silêncio e o vento nos embala.
Olha-me os olhos aos olhos dos outros; diz-me agora: não sou perfeito?
Ainda ontem fazia Primavera. Ainda ontem choviam ondas nos céus de Lisboa.
Foi-se a noite aos pés do dia; ficámos assim, com os braços entrelaçados em abraços
Como quando choravas pela primeira vez; questionava-te.
Meu amor, como é que sonhámos as primeiras luzes e os primeiros saltos
A ecoar na calçada? E depois nos vestimos, saindo para a rua, com os teus lábios
Dentro dos meus sentidos. Quantas vozes e vestidos e semáforos e borracha
E vinho, doce, quente, anisado. Deste-me essa tua cruz, às voltas de sangue
E eu sem te querer, nem te entender. Deixa-me antes ir, não poderia ser comandado
Nem pelos mares da Lusitânia. Quisesse eu ser navio e vela, talvez anzol,
E vogar ao desperdício por entre o sal; pudesse eu ornar-me de peixe e volver
À procedência, fazer-me de cinco pontas. Imaginas, meu amor, quem sabe um dia,
Se formos só o silêncio, poderemos dançar pelas nuvens ao som de uma suite qualquer, como se o Bolshoi fosse nosso, ou Paris, ou Barcelona? É isto que eu sinto, abanar os ombros e dizer-te que te quero e que seria perfeito, mas tão perfeito, imensamente perfeito, se ao menos existisses, como nas palavras do poeta que gritava que o seu amor estava perto. 
Eu também não sou certo, e sabes que mais, certamente que nunca foste. 


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