Não me peças
que te faça milagres nos dedos; não os sei, nem quero.
Faz antes de conta que somos silêncio e o vento nos embala.
Olha-me os
olhos aos olhos dos outros; diz-me agora: não sou perfeito?
Ainda ontem
fazia Primavera. Ainda ontem choviam ondas nos céus de Lisboa.
Foi-se a
noite aos pés do dia; ficámos assim, com os braços entrelaçados em abraços
Como quando
choravas pela primeira vez; questionava-te.
Meu amor,
como é que sonhámos as primeiras luzes e os primeiros saltos
A ecoar na
calçada? E depois nos vestimos, saindo para a rua, com os teus lábios
Dentro dos
meus sentidos. Quantas vozes e vestidos e semáforos e borracha
E vinho,
doce, quente, anisado. Deste-me essa tua cruz, às voltas de sangue
E eu sem te
querer, nem te entender. Deixa-me antes ir, não poderia ser comandado
Nem pelos
mares da Lusitânia. Quisesse eu ser navio e vela, talvez anzol,
E vogar ao
desperdício por entre o sal; pudesse eu ornar-me de peixe e volver
À
procedência, fazer-me de cinco pontas. Imaginas, meu amor, quem sabe um dia,
Se formos só
o silêncio, poderemos dançar pelas nuvens ao som de uma suite qualquer, como se o
Bolshoi fosse nosso, ou Paris, ou Barcelona? É isto que eu sinto, abanar os ombros e
dizer-te que te quero e que seria perfeito, mas tão perfeito, imensamente perfeito, se
ao menos existisses, como nas palavras do poeta que gritava que o seu amor estava perto.
Eu também não sou certo, e sabes que mais, certamente que nunca
foste.
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