«Ouça, faz-me falta o calor.
É urgente amar, é fulcral gritar-se
palavras ao infinito, em aparente loucura.
Eu até prefiro a noite ao dia, e
doutra forma não faria sentido.
Gosto do som das lâmpadas zumbindo, e
da minha sombra reflectida nas fachadas dos prédios. Em certa extensão, eu
sempre fui narcisista, mas encontrar-se algo maior do que nós tem o seu peso e
revemo-nos, noutra perspectiva - ou pelo menos devia ser assim.
Compreenda-me, eu não sou rico, nem
particularmente fantástico, nem tenho muito para oferecer senão palavras e
gestos, mas até estes últimos são erróneos e fazem-se gastos. Na verdade, eu
nunca soube dividir-me; talvez por isso nunca me tenha sido verosímil aquela
ideia das laranjas cortadas a meio. É essencial cada um ser um e juntos
formarem dois; se ambos forem meio, invariavelmente, a balança pende para um
dos lados, e cai, e parte-se.
É disso que tenho receio, dessa
quebra, como se existisse um desencontro: salta um gomo à peça de fruta e
depois ninguém parece saber encontrá-lo.
Atente nos sinais mais básicos de
exposição e verá que faz algum sentido, ao contrário do todo.
Pedi um tempo a mim próprio, para
equilibrar os meus sentidos. Houve e há tanto que liga as pessoas, tanto mais
do que as separa.
Até prezo a diferença, sabe, mas
finjo que não e nem entendo porquê; o que sucede, é que os olhos verdes já me
não seguem para qualquer lado que vá e isso, intriga-me. Afinal de contas, o
que nos é conhecido deveria, logicamente, ser-nos mais agradável e, contudo,
nem sempre é assim.
- Perde-se na narrativa e, por este andar, ainda me embala
antes de jantar.
Sigo, portanto. Sabe que agora é Fevereiro; e, contudo, há um
ano atrás, Fevereiro tinha mais sabor.
Lisboa é diferente quando se está
apaixonado: não é cinzenta, nem de rocha. E os meus olhos até são castanhos, e
é como se florescesse ao nosso olhar.
Nesse tempo, eu ainda escrevia cartas
a contar-lhe do amor que me envolvia. Já não as escrevo, porém. Não porque o
amor se tenha deslocado, não julgue, mas apenas porque sei que não teria o
mesmo impacto. Nesse contexto, revejo o meu pequeno postal de Nietzsche e,
realmente, vejo que nenhum de nós soube alguma vez escrever cartas de amor, mas
o pouco que fomos aprendendo chegava para suprir as vontades dos nossos
suspiros.
É como lhe
digo:
- O amor, à
deriva, é um lugar estranho.
E, no entanto, estabelecido, é como
campos de trigo a ondular com Helios, ou bandeiras danças a ulular ao vento.»
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