quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Hoje acordei e falava estranho.

Hoje acordei e falava estranho.
Como se tivesse às portas da boca a Alsácia e a Lorena, e falasse da Aquitânia e da Normandia como quem as habita. E penso, pensava, para quê ir a Bordéus com o Douro tão perto, quem trocaria Paris por Lisboa.
Eu quis ser Balzac ou Sartre, quis escrever na gaulesa e não pude; não é que as palavras não saíssem, apenas formava meia dúzia de considerações vazias sobre a personalidade portuguesa.
Saudade.
Saudade.
Pas de la danse macabre, pas de le carnaval des animaux, pas de Saint-Säens, pas de Ravel, pas de Debussy, pas de Berlioz.
Eu queria viver em Montmartre ou Montparnasse e esquecer-me do Rossio, e não fui capaz. Deitava-me ao vento, à procura dos lilases que Charles cantava e, de facto, morriam-me por entre os dedos.
Canto-te, Saudade, porque não trocaria Lisboa por Paris, nem Paris por Lisboa; não trocava a minha língua pela de Napoleão, lupus sum.
Como te quero, como te amo, como quero que sejas minha. Percorrer as tuas veias como se fossem as minhas, vogar do Bairro à Graça num ápice de quem sonha.
Prefiro, mas nem assim trocaria Baudelaire por Pessoa.
É como entrar no Atlântico e sentir à beira-chão o toque, do que nunca foi mas se fez nossa mãe.
Tenho Saudades tuas, Portugal.
De quando o teu povo não se atirava ao chão como um marioneta,
De quando te fizeste homem a cortar as ondas a perder de vista.
De quando descobriste e civilizaste um país que hoje faz vinte de ti e usa a tua linguagem.
De quando todos te desdiziam e tu jogavas xadrez ao mesmo tempo com os dois maiores do mundo a troco de pedaços de rocha.
Tenho Saudade tua, Portugal.
De O'Neill e de Mourão, que escreviam dos teus desgostos.
Saudades de Lisboa quando os eléctricos passavam à minha porta; como não poderia deixar de ser, tiraram-nos. Ficaram as linhas.
Saudade de Portugal quando tudo o que foi deixou de ser; não deixou apenas de ter esse nome.
Tenho Saudade tua, Lisboa. A mesma Saudade que África cantou. A mesma Saudade que o Brasil vai chorando de ti - e de mim. A mesma Saudade que fez Índia tremer.
Em suma, fazes-me falta. A falta de quem existe sem existir realmente.
A falta da lupina raiva que se perdeu pelos tempos.
Ai, Portugal, feliz de não seres França.
Nem Hollanda.

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