sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Correspondência vol. I

Quero começar por dizer que não te odeio. Pelo menos não daquela forma visceral que se odeia algo palpável. Sou capaz de sentir uma ligeira inclinação a desgostar de ti. Mas nesse caso concordarás certamente que a culpa é tua. Ninguém te aconselhou a tomar determinadas atitudes por uma questão de despeito, e ainda que o tivessem feito, caber-te-ia a ti agir de acordo com a idade que tens.

É que nem sequer é uma questão de rectidão, bastava-te não mentir. Se não emulasses um desinteresse fingido, ninguém te tinha pedido satisfações. Fazias de conta que a transpiração te chegava e depois falava-se nisso. Mas não chegava, não se falou nisso. Colocas para dentro como um pacote de lenços invertido e fechas-te em copas nas porcarias que praticas. É por isso que te digo que não te odeio, ninguém odeia a sofreguidão.

Sessenta dias, nem tanto, chegam para que dês à volta à tua mente, sem teres acesso ás repercussões dos teus actos. Sessenta dias depois de negares, de jurares a pés juntos a oposição do que praticas. Desculpas-te com retóricas de dezasseis anos, de ideias de que as coisas acontecem por acaso. Sabes que mais, não acontecem. As coisas simplesmente não «acontecem». O que acontece é deixares-te levar por elas e nesse caso tem ao menos a inteligência de assumir a tua culpa, como assumes em público o que andas a fazer - mais uma vez sem dar satisfação a quem convém.

Deixa-me repetir que não te odeio. É que ninguém odeia a incoerência nem a falta de nexo. Dás-me vontade de nunca mais te abrir a boca, mas creio que nem isso já te importa. É este o problema daqueles que encontram essa ideia desregrada de amor, esquecem-se das virtudes da amizade. E quando o amor acaba, vêm correndo beber das palavras como o rio corre para o mar. Pode ser que nesses tempos já seja eu seco como um rego.

A mim não me causas transtorno nenhum. Nem tu, nem os teus fantasmas, nem os antigos, nem os novos. Simplesmente não te desculpes aos meus ouvidos como se fosses a pessoa com menos culpa do cartório e nem inventes que não sabes falar nas coisas. A mim cabia-me pelo menos saber das coisas em antemão e não receber desculpas de engenhocas semi-avariadas apenas porque sim.

Não te odeio, de todo. Mas podes crer que pelo menos durante algum tempo, te mandarei dar a volta à Sintra quando me chamares teu «amigo».

Post-Scriptum: Redigido, transcrito e revisto antes de ser hora de gente.

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