sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A neurociência da ilusão

Demos a volta a quatro mortalhas sem saber muito bem a que temperatura se imola o papel; sem saber muito bem de que cor se acendem os teus olhos. Sem saber muito bem a quem pedimos clemência quando erramos. E depois damos voltas sem que os sapatos saibam onde vão terminar; sem que as nuvens chorem à nossa espera. Sem que os cigarros se apaguem violentamente nas nossas peles.
Ó amor, quantos de nós existem para sacrificar ao vento? E quantos cabelos, e quantas peles, quantas vozes; quantas de ti, quantos de mim, quantos de nós. Suspiraria se assim não fosse; afinal a produção morre onde quer que acabem os corpos. E já não estamos vestidos: vestidos de nós, vestidos de seda, vestidos de cetim espalhados pelo chão do quarto; e o que tinhas já não é só meu: agora está espalhado ao mundo, p'ra quem quer que olhe de cima, de lado, de frente, como grãos de areia na costa que desemboca à minha porta.
Toma um pouco do meu café, toma as minhas mãos nas tuas mãos. Toma-me os dedos pelos cabelos. Diz que me vais saudar no dia em que partires deste local, no dia em que partires esta barreira, no dia em que partires deste sentido; e depois ver-te-ei desnuda do outro lado, à espera que amanheça.
É que em ti começa tudo e eu nada sei; nada peço, nada invento.
Limito-me a fumar o meu cigarro à espera que tudo adormeça.

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