Lembras-te
de Lisboa nos tempos de sal e quimeras;
Nos tempos
em que as laranjeiras floreavam em Abril
E o pão
quente navegava em odor nos ares?
É que desta
janela só se vê cinza,
E eu fico
perdido a observar os caminhos
Que nos
levam daqui a Sintra,
Como no
primeiro momento em que te toquei a face
E te contava
histórias em silêncios de véu.
Aqui donde
miro o Tejo nada floresce;
As calçadas
são quase breu
E o céu mal
me aquece.
É como se
encostasse mil flores
Contra os
meus próprios olhos
E as narinas
sorvessem apenas
O cheiro de
uma revelação.
Recordo
também as tardes que
Passava, passeando em
Belém
Comendo
sorvetes de nicotina
À beira da
torre.
Ouvia os
britânicos largarem sotaque pestilento
E cabelos
vermelhos a ulular ao vento
Palavras destilando estudado desdém.
E depois do
pontão de Algés,
As ondas
inexistentes do Tejo a bater na rocha.
O sal da
água doce a roçar o ar
E eu
gritando injúria ao vento;
Nem nessas
alturas se escapulia uma nuvem
Nem a chuva
caía a rodos como eu esperava
E me
engolisse o borrão negro.
E o Jardim
da Estrela de bancos verdes
E um
carvalho gigantesco,
Em tempos em
que ainda poucos mendigos haviam
E uma
depressão ridícula não havia roubado a alma ao nosso povo.
Fazia de
facto uma Primavera,
Não apenas
um Verão fingido,
Não havia
trinta graus em Maio nem os glaciares derretiam
E não
trovejava com tempo quente.
É este o
problema dessa lumière:
Acredita-se no progresso ilimitado
E o
espalhafato dobra a esquina próxima.
Deixam de
fazer sentido as considerações de outras espécies
E vemo-nos,
enfim, no olho do furacão.
Seria tão
mais fácil viver nessa ilusão diariamente,
Como quando
éramos crianças e
Jogávamos a bola contra o muro branco
No mesmo
gradeamento verde onde a velha caiu
E morreu e eu vi sangue,
Onde o carro
extravasou a estrada
Escolheu o homem que se sentava,
Onde eu
costumava almoçar quase todos os dias.
Continuo
vivo.
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