sábado, 27 de outubro de 2012

Se dormisses à beira do rio, faltavam-te os sonhos

Se dormisses à beira do rio, faltavam-te os sonhos.
E o que ficava seria pouco para te embalar as vontades;
Ficava vento roçando-te o peito, o frio a queimar-te as faces
E as águas abraçando-te ternamente a mão despida.

Se eu te beijasse as pálpebras enquanto dormes:
Tomar-me-ias por outrém ou anuías docemente;
E, se eu te descobrir por entre as folhagens,
Prometes-me que amas Lisboa como se fosse tua?

E se um abraço fosse tudo, ou quase nada
Davas-te aos braços em acordes de violino
Ou observavas as estradas mortas de breu
Enquanto redescobrias as ossadas dos meus ombros.

Olha, Selene, já não temos quase nada;
Pouco restaria já do cadáver triste que amanhece.
Florescem agora em mim outras aldeias,
Outras florestas, outros abismos,
Que não se compadecem dos que me deixaste
Sonhar em magnésio de ondas calmas pela noite.

E depois, onde jogávamos este tabuleiro
Que se gasta enquanto gastamos os verbos?
Onde nos encontrávamos novamente
E os dedos se entrelaçavam por entre os cabelos
E as vozes se sobrepunham uma à outra,
Numa batalha de espíritos ausentes.

Meu anjo, já não nos sobra nada:
Nem os navios, nem os mares, nem o cais
Nem as covas, nem os raios, nem os silêncios;
Quanto tinhas tu para dar, enquanto me fazia gasto?
E, tempos volvidos, é ver-te dissolver ao vento
Como ídolos feitos de espuma e gesso.

Apetecem-me as alturas

Apetecem-me as alturas,
Sofregamente;
Da mesma forma
Que os pedaços
Cortam cabelos
E os dedos
Se fazem tarde.
Olharia pelos cantos,
Enquanto a noite
Teima em chegar.
E, volvidos segundos,
Revolvem as folhas
Pelo vento.

Meu amor,
Diria que o tempo escasseia.
Nem as árvores
Apodrecem
Enquanto gastas palavras;
Nem os pássaros
Chilreiam
Enquanto pisas rochas;
Nem as águas
Correm
Enquanto o mar esquenta;
Nem os teus olhos
Brilham
Por entre a floresta.

É dessa mesma forma
Que se procede tudo:
Quanto mais tenho por falar,
Menos a voz se apresenta.
Mulher,
Não me fales de amor:
Inventas moralismos
À espera que creia
Que podes existir
Noutra dimensão qualquer.

Deixa que o Inverno chegue
E dá o peito às gotas
Que escorrem pelas folhas.
Ilumina as ruas
Como se fosses
Luz vaga,
E interior.

Meu amor,
Diria que escasseamos.
Nem os passeios
Nos suportam
Os passos ausentes;
Nem as nuvens
Chovem
À nossa passagem;
Nem o Mar
É nosso
Como foi no passado;
Nem as minhas mãos
Esquentam
À beira das tuas.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Do Que se Não Tem, Tendo - Parte I


«Ouça, faz-me falta o calor.
É urgente amar, é fulcral gritar-se palavras ao infinito, em aparente loucura.
Eu até prefiro a noite ao dia, e doutra forma não faria sentido.
Gosto do som das lâmpadas zumbindo, e da minha sombra reflectida nas fachadas dos prédios. Em certa extensão, eu sempre fui narcisista, mas encontrar-se algo maior do que nós tem o seu peso e revemo-nos, noutra perspectiva - ou pelo menos devia ser assim.
Compreenda-me, eu não sou rico, nem particularmente fantástico, nem tenho muito para oferecer senão palavras e gestos, mas até estes últimos são erróneos e fazem-se gastos. Na verdade, eu nunca soube dividir-me; talvez por isso nunca me tenha sido verosímil aquela ideia das laranjas cortadas a meio. É essencial cada um ser um e juntos formarem dois; se ambos forem meio, invariavelmente, a balança pende para um dos lados, e cai, e parte-se.
É disso que tenho receio, dessa quebra, como se existisse um desencontro: salta um gomo à peça de fruta e depois ninguém parece saber encontrá-lo.
Atente nos sinais mais básicos de exposição e verá que faz algum sentido, ao contrário do todo.
Pedi um tempo a mim próprio, para equilibrar os meus sentidos. Houve e há tanto que liga as pessoas, tanto mais do que as separa.
Até prezo a diferença, sabe, mas finjo que não e nem entendo porquê; o que sucede, é que os olhos verdes já me não seguem para qualquer lado que vá e isso, intriga-me. Afinal de contas, o que nos é conhecido deveria, logicamente, ser-nos mais agradável e, contudo, nem sempre é assim.
- Perde-se na narrativa e, por este andar, ainda me embala antes de jantar.
Sigo, portanto. Sabe que agora é Fevereiro; e, contudo, há um ano atrás, Fevereiro tinha mais sabor.
Lisboa é diferente quando se está apaixonado: não é cinzenta, nem de rocha. E os meus olhos até são castanhos, e é como se florescesse ao nosso olhar.
Nesse tempo, eu ainda escrevia cartas a contar-lhe do amor que me envolvia. Já não as escrevo, porém. Não porque o amor se tenha deslocado, não julgue, mas apenas porque sei que não teria o mesmo impacto. Nesse contexto, revejo o meu pequeno postal de Nietzsche e, realmente, vejo que nenhum de nós soube alguma vez escrever cartas de amor, mas o pouco que fomos aprendendo chegava para suprir as vontades dos nossos suspiros.
É como lhe digo:

- O amor, à deriva, é um lugar estranho.

E, no entanto, estabelecido, é como campos de trigo a ondular com Helios, ou bandeiras danças a ulular ao vento.»

domingo, 21 de outubro de 2012

Whatever you may be

Today, I feel like breaking the bounds of my own comprehension.
To be honest, I never felt like writing in english. I must heed this will; it'll sound better, maybe. I don't really have a problem of expression in portuguese and I don't feel like everything sounds a little bit better in this silly language.
Nevertheless, I'll give it a try. It sounded awful whenever I opened myself to you in our own language. You hated it; I hated it also. It doesn't even stand a chance. We don't stand a chance, in this wind of change. You've made your choice, and I've never made mine. I couldn't make mine. It was never possible for me to choose anything; you would refuse to let me.
In other hand, I'm not quite sure of my own choice. Maybe it is better this way, your own path seems to be a little bit more secure; the rain that falls on my shoulders isn't clear at all. And, actually, my silence is not that perfect; that's why I'm a night type kind of person, but that's something you'll probably never know.
Keep in mind that I'll probably be a little bit more secure now. A little bit less open. A little bit less sincere. I don't really think you've lost anything, though I wouldn't bet you won anything either. Neither do I think it's your responsibility. You are what you are. What the world made you to be, even though you don't give a crap to the world's opinion on its own. You are whatever you want to be.
Honestly, I won't try to change your opinion; I know you wouldn't try to change mine either.
But, be sure to hold still, and look at the starts. They'll tell you what to do, whenever you feel lost.

Et jamais oublie mes paroles.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Do tempo

O tempo não é quase nada; e acredita que às vezes até gostava de sonhar contigo.
De voar, sem asas, de planar, sem ar no estômago. O que me mata é saber não ver o que escondes,
Ou não querer ver. É que não queria mesmo, entendes? Dar tempo, dar-me tempo, dar algum tempo seja ao que for. Eu não sou sequer indicado para dar tempo; vivo demasiado convencido de que ele me falta.
Ademais, sabes como gosto de chuva. Como gosto do silêncio, e da noite, e dos momentos inenarráveis em portas que nunca se fecham. Sabes como gosto de dar as mãos às crianças.

Não penses que algo do que faço é irreflectido ou impensado; a minha impulsividade dá-me arrepios e nem queria irritar-te ou fazer-te sonhar menos.
Noutro prisma, prometo ainda que não volto a tentar que te arrependas das situações pelos meus motivos pessoais; perdoa-me por ser egoísta. É, talvez por isso, que te peço desculpa tantas vezes.
Tens plena razão de quando dizer que, acima de tudo, o que nos rouba o peito não deve ser planeado; talvez estejas certa ao discordar-me quanto ao moralismo. Na sua perfeição, a mim o que me apetecia era tudo o que te assusta a ti; talvez percebas agora o problema que tal situação me causa. É que eu não sei viver aos pedaços, não sei viver demasiado - ou sequer de menos - e tenho sempre medo de me trocar, excepto quando as coisas nada me dizem.

A verdade é que perco demasiado tempo a pensar nisto; outro tanto a pensar vagamente em ti. Também por isso me deverias perdoar. Não devia fazê-lo e em última análise, nem sentir merda nenhuma.
Não temos tempo. Provavelmente, nunca vamos ter tempo. Possivelmente, é possível que nenhum de nós queira realmente ter tempo um para o outro; é só um tiro no escuro, mas juro que às vezes é isto que me assalta a cabeça quando a deito na almofada. Também é quase garantido que, se estivesses aqui, olharias à volta da minha cabeça - porque tanto eu como tu temos dificuldade em olhar nos olhos, falando de coisas sérias - e me dirias que tenho razão. E, raras vezes em há em que eu gostaria de não ter razão. De todas elas, é esta a mais recente.

Por último, dizer-te que não existem sonhos antropomórficos. Ou talvez até existam, ou tenham existido no meu passado. Talvez, nesses tempos de papel e verdes, eu tenha sentido realmente e sonhado realmente sonhar-me com o sonho de alguém. Por isso, agora te digo. Eu não sou um sonho; nunca fui, nunca vou ser. Sou apenas alguém cujas opiniões invariavelmente chocam de frente quase todos. Sou alguém com uma experiência de vida única - tão única como todas as outras. Não sou um sonho. Provavelmente, nunca chegarei a ser o teu sonho, por muito que sonhes. Também sabemos que os teus sonhos estão pelas nuvens; comete os teus erros, e depois conta-me. Aposto que ainda tens muito para sonhar nesse local, e eu não me recomendo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Deste-me vontade de olhar para trás


Deste-me vontade de olhar para trás.
Para trás no tempo, para trás nos sorrisos e nas atitudes; para trás no meu próprio destino.

Pensar, e se não estiver certo, se realmente não esperar pelos momentos certos; se a minha sofreguidão me proporcionar erros, perfeccionistas erros de selecção.
Deste-me que pensar; não sei se tu, se sombras de pai e filha. É estranho, não é? Pensarmos que a estátua foi colocada de costas para ela. Afinal de contas o que é o amor?
Esse tão singelo amor que apregoamos, que perpetuamos.
O que somos nós, que descemos tão alto e tão baixo, que somos tão míseros e tão fulcrais.
Tenho sinceras dúvidas sobre as minhas acções; sobre os meus pensamentos.
Faz-me espécie, uma certa espécie de pensar que nem sempre haja sintonia, que nem sempre exista uma singularidade entre duas causas sós.
É que dás-me que pensar como não me dava há muito tempo:
Já to disse; e o problema é que não sei bem como pensar.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Hoje


“Hoje, o dia que toda a gente conhece, que cada um o vive, por vezes em comum, como um par de lugares ao lado de uma janela em movimento, ou talvez, o olhar distinto do presente, em constante observação ao que o rodeia. É uma busca incessante pretendendo alcançar algo, que mesmo em movimento, fixe o olhar, por momentos, ou por uma eternidade.

Tudo depende do que transparece da janela, algo promissor, desejável… e o que se reflecte nela, alguém merecedor e cumpridor do que pode vir a obter, do que o olhar observa.
Acerca da janela, tudo provém do pensamento, um pensamento simples que se torna complexo pelo olhar. É neste momento que quando diante da janela e observando o seu interior obtemos uma possível conclusão, no entanto, aquando a abertura do nosso pensamento, dialogando com a pessoa no banco em frente, tudo se torna uma realidade disforme.

O pensamento é humano, contudo, pode iludir-nos para o bem e para o mal, com confiança ou com força. Por essa razão, o pensamento não funciona sozinho, o olhar por si só permite-nos encontrar alternativas, encontrar coisas boas nos acontecimentos maus, e vice-versa.
Hoje faz sol, céu limpo e brilhante, tentador de facto, no entanto encontro-me do lado oposto com a janela pelo meio, ou será o meu o pensamento? Onde me encontro? No meu pensamento, onde sei que o meu olhar através desta janela que alimenta o meu pensamento.

Vejo agora gotas de chuva largadas do céu, cada uma com ínfimas memórias em que cada gota de chuva está um raio de sol. Um raio vindo do oeste, outro de este… Mas como é possível em cada gota de água estar mais do que um raio de sol?
Será melhor ou maior, o contributo de algo que nos ilumine, e nos deixe mais solarengos ou tudo isto será do meu pensamento?

Pensamentos nossos, que crescem por quem observa, pensamentos nossos que nos preenchem, pensamentos humanos e desumanos, no fundo, pensamentos nossos, distintos talvez, ou similares através do simples olhar de uma janela.
Uma janela agora em movimento perseguida por um olhar em pensamento de um conjunto de lugares…diante da janela”

Créditos a Diogo Mendes

domingo, 14 de outubro de 2012

Ainda te apetece passear por Lisboa?


Ainda te apetece passear por Lisboa? Pensei que pudéssemos fazê-lo numa lógica de laissez-faire; talvez me contasses coisas sobre ti. Porque é que quanto mais sei de ti, mais quero saber?
E talvez depois pudesse dizer-te um ou dois poemas que tenho constantemente presos na cabeça, e tu talvez gostasses; ou comer um gelado de morango, e fumar um cigarro – são coisas que raramente combinam bem, mas a mim dá-me um prazer distinto.

Contava-te uma história à beira-Tejo e fazíamos serão a olhar aquelas estrelas de Lisboa, que são só uma ou duas, como se toda a luz da minha cidade sugasse o céu para si. É verdade que sim, sei que também o sabes; é que a mim a cidade dá-me luz, tão mais luz que a Lua.
Sinto alguma vontade de ser diferente, cerca de ti. Mas só alguma: há outros momentos em que dou por mim a rever mentalmente a minha vida e vejo erros atrás de momentos menos bons. Nem sei se devo dar-te a mão ou o braço; talvez apenas deixar-te mirando Selene, só com os teus cabelos.
Hoje apetece-me cantar canções daquelas menos para mim; mais calminhas. É que habitualmente sou um furacão à espera de acontecer, habitualmente torço-me a mim mesmo na plenitude de me exprimir.
E hoje só me assalta esta vontade de ser menos eu, menos tu. Menos tudo.
Hoje só me apetece dar os braços ao vento em abraços de fumo; largar as amarras que me prendem à cadeira, deitar de fora os cabelos à chuva que poderia fustigar-me os vidros.
Por falar nisso, nunca te perguntei se gostas de chuva. Ou de Nietzsche. Ou de acelerar por entre curvas impossíveis a ouvir canções de embalar.
Por falar nisso, nunca te mostrei os meus devaneios antigos. Sinto que mostrando-te não teria tanta vergonha deles; e acredita-me, são ridículos. Tristes, enfadonhos. Demorei anos a saber escrever, e ainda assim questiono-me amiúde, será que sei, será que não sei.
É demasiado inverosímil, cria-se um estilo próprio e ninguém é capaz de o ajuizar; estou sentado numa secretária de madeira desconfortável e ainda assim sinto a maresia nos meus olhos. E dá-me vontade de te perguntar se a sentes também.
Alongo-me em coisas inúteis, como aliás é costume; inutilidades, sempre inutilidades à minha volta. Prateleiras de livros a cheirar a velho. As coisas são, geralmente, melhores com tempo; melhores com História.
E é isso que sempre busco e sempre me falta: tempo; uma história.
Por isso é que me apetecia dizer que a minha história começava hoje; que hoje seria o primeiro dia do resto da minha vida.
O que me apoquenta é que sei falar ainda melhor do que escrevo: não sofro de problemas de expressão. Soa-me tudo bem em português e, invariavelmente, acabo por dizer coisas que não quero.
Acabo por sonhar coisas que não quero.
Acabo por dizer a verdade sobre coisas que não quero,
E acredita em mim que, neste caso, só me apetecia contar-te mentiras.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Meu amor, lembras-te de quando tinha mil e um nomes para ti


Meu amor, lembras-te de quando tinha mil e um nomes para ti? E depois desapareceram todos, como se uma nuvem de nevoeiro os esfumasse. É quase esclarecedor que te veja aos percalços por entre as pedras da calçada sem ninguém para te segurar, como se eu fosse o teu ponto de suporte, o teu ponto de equilíbrio.
Resta-me, contudo, questionar-te sobre as nossas opções. É que a mim causa-me transtorno e faz-me espécie ver-te numa espécie de limbo. Na realidade, só gostava de ver-te feliz, e a sonhar aos pedaços e, no entanto, essa visão parece-me desafogada de um mundo relativamente existente. Fazes-me falta; e nem sequer tenho forma de te dizer olá. Fazes-me espécie; e nem sequer tenho forma de te fazer sorrir ou sentir melhor.
E se fôssemos os dois ali ao quebra-mar, será que me pegavas na mão e a colocavas por cima do ombro, e os teus cabelos cor de prata a esvoaçar nos braços de Selene. Será que fazíamos uma espécie de consternação semi-celeste com trinta constelações diferentes e nos fundíamos em Saturno ou Júpiter à procura de uma vida melhor, um mundo melhor para duas pessoas melhores; melhores do que todas as outras.
Questiono-me ainda se seremos realmente melhores; é que em metades não somos nada, e completos somos menos ainda. Na verdade, fico feliz de não poder dizer-te nada porque nem saberia o que te dizer; e fico feliz de não poder fazer-te feliz porque nunca saberia fazer-te feliz. Esse teu mundo está tão longe do meu, e tão perto.
Nem sequer existem quilómetros quadrados a separar o que fazemos, e nem sequer me atormenta essa ideia; apenas nos meus momentos criativos me transformo noutro ser: mais perfeito, menos óbvio, mais introvertido e menos obrigatório. Olha, mulher, menina, qualquer ser que me assalta os sentidos, tinha tanto para te dizer e subitamente tenho tão pouco; tão pouco que te descreva as pestanas, tão pouco que te destrua as faces.
Agora, que estou deitado à busca de palavras, busco-te por entre as minhas ideias. Meu amor, apanha o meu navio; voguemos pelo Atlântico à busca de outras palavras que eu não tenha para te dar, em vez de desperdiçar as solas dos sapatos em percursos inúteis e os ouvidos em discursos ridículos.
Vamos os dois ver Lisboa ao largo, enquanto me abraças e eu te abraço. Vamos ver Belém e o Tejo em espirais de fumo; zarpar numa embarcação de ferro fundido rumo a Barcelona, desaparecer em sombras de cigarros e jurar que, de uma vez por todas, um dia sequer existirás em mim.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Não me apetece perder tempo


Não me apetece perder tempo; não contigo e não agora.
O tempo que passa é breve e perde-se tão fugazmente
Nos balanços desse teu Sol. Nem sequer sou capaz de medir
Em tempo as tuas filosofias; antes medir os teus silêncios,
Que são mais profundos e dizem-me tão mais de ti que as tuas palavras ocas.
Não é uma questão difícil, recorda-te da tua superioridade,
Recorda-te da tua própria vida e da tua mortalidade e faz-me crer que sim,
Que também sou mortal – pelo menos às vezes – e amoral na maior parte dos casos.
Não te peço que nos juntemos para crer em Deus, até porque seria contraproducente,
Puxávamos para o mesmo lado e chegávamos simplesmente à conclusão de que é impossível
Crer num Deus que não sabe dançar, nem cantar, nem mexer os braços.
Minha onda no Tejo; meu mar, meu sangue, minha Lusitânia em forma humana,
Não me deixes perder-me em ti nem pegar-te na mochila;
Nem eu nem tu aguentaríamos esse esforço, nem que torcêssemos o pescoço
E provável seria que nos estatelássemos no solo. Aliás, é todo esse o meu problema,
O chão, sempre o chão, o fogo no chão e a água que vai caindo no chão.
Chove, Lisboa. Chora por mim. Por ti, e por Ela, por Nós, por Vós que ides
Caindo no chão à medida que passo; Nem eu nem tu somos sós, amor-cidade minha,
E vêm de todo o lado para nos ver sonhar acordados.
Gosto de ti no Outono; mas dispenso-te no Verão. Amo-te no Inverno.
És Portugal na perfeição de ser intenso, imenso e bruto Portugal, forte e doce Portugal,
Na grande família de ser-se perto estando-se longe, tão mais longe.
Deixa de me fazer sonhar, por favor. Peço-te encarecidamente.
Já me chega esta sensação de estar a cair num poço de que nem vejo o fundo,
Se bem que eu, como o poeta, tenho a tendência a dormir com uma e sonhar com mais de mil.
Em suma, não venhas tarde. Vem a tempo e levanta os olhos do chão; faz-me espécie
Ver-te triste.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Requiem


Dei comigo a pensar baixinho: será que consegues ouvir-me?
Até pensei em não te escrever, sabes, mas fazia-me espécie.
Pouco depois cheguei à conclusão de que provavelmente valeria a pena escrever-te qualquer coisa, não caia a hipótese de os correios lá em cima funcionarem mesmo e eu ter perdido vinte e quase dois anos a desacreditar nestas coisas; mas não te preocupes, eu sei que também não acreditavas.
Por falar nisso, viste a batina do padre? Achei curioso, nunca te vi vestido de lilás.
Escrevo-te isto para te dizer que tenho aqui o teu bilhete guardado para o Atlético. O meu avô queria oferecê-lo, mas não faz assim tanto sentido. É teu, em geral era sempre teu.
Lamento também um pouco não te ter dito mais nada depois de te ter ligado no sábado. Estava à espera deste feriado meio parvo para te ir visitar; tinhas de fazer-me o desgosto de não me dar tempo.
Não te censuro. Mas, de resto – e nunca te disse – fazes-me falta. Sei que me viste chorar hoje. E sei que te desapontei, sei que não querias que chorasse por ti.
E depois só conseguia pensar em bola. Foi um pouco ridículo.
Lembras-te daquela vez que fomos ver a bola à Luz – sinceramente nem me recordo do resultado – mas sei que foi qualquer coisa diferente porque me ficou apegado à memória.
Pergunto-me: será que foste de lambreta ou de trotinete? Os copos são pequenos, eu sei, mas eu tentava sempre que ficassem com a gravata pequena.
Ademais, é extremamente estranho estar aqui a pensar em ti e a escrevinhar esta meia dúzia de coisas a martelo. Sabes que sempre me irritou as pessoas que utilizam a expressão “bruxo”. E, caramba, se tu a usavas. Mas digo-te ainda que nunca me irritou, nem por um segundo quando o dizias. Devia ser só por seres tu.
Além disso custa-me estar a escrever-te isto. Não porque me escorram lágrimas pela cara; as que tinha para derramar por ti já foram e eu sei que tu nunca as quiseste. Só te peço que por acaso, se tiveres visto, e te tiveres sentido triste comigo, não mo contes.
Na realidade não sei quanto tempo vou demorar para te dar um abraço, pá.
Sei contudo que há-de acontecer. Agora, ou daqui por uns anos, vamos voltar a falar e eu provavelmente vou chegar e dizer «Caraças, ‘tás por cá?» e tu vais responder-me «Bruxo!».
Queria também dizer-te que durante estes sete ou oito anos foste das melhores pessoas que vi por ali; há mais um ou dois (estou claramente a diminuir o número) mas até nem me importava muito de andar a tirar cafés quando estávamos para lá a conversar.
Vê se apareces. Já tenho saudades de te servir uma imperial.
Vejo-te do outro lado.

Um abraço do tamanho do mundo,
Rodrigo de Oliveira.


P.S.: Memento Mori.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Podíamos sonhar a dois


Podíamos sonhar a dois.
Mesmo que, enfim, acordássemos para uma beleza esquecida.
No fundo, saberias que o que nos causa dor é somente em que cremos;
E, às vezes, o amor, é feito de meia dúzia de reminiscências
E copos vazios à sombra de dois carvalhos.

Nem sequer faz falta uma mão ausente; Nem dois braços em forma de cepo
Quanto mais pensar em cabelos esvoaçando ao vento.
Não sabemos imaginar que o teu cabelo é dourado,
Porque somos completamente inóspitos e serenos;
Nem sabemos apagar as velas e ficar à espera que o mar desapareça em surtos de espuma.
Em suma, é o que imaginaremos sempre que tudo se esfuma:

Deixa os pés embaterem com força na frieza do areal
E a maresia penetrar-te como o silêncio dos seixos.
Arredonda-te então aos soluços de Éter
E deixa que Eris te fale aos ouvidos
As palavras que nunca te direi.

Ouves a canção que sai dos dedos meus dedilhando as cordas?
É na noite que as ondas não-electromagnéticas se propagam na tua peugada.
O que sinto fundamentalmente é falta de Helios.
Minha irmã, minha Saudade, meu céu azul roçando a Serra,
Dá-me o meu sangue atiçado a ouro
Espirrando em velas de Caravela.

Eu, tu, e o maremoto que Atlante causava ao ver-nos passar.
Meu amor, minha caravela, meu corvo negro pousado na proa,
Fazes-me sentir Paris sentindo Lisboa.
Meu veludo que sopra o fumo azul ao cigarro, minha almofada,
Meu tudo e meu nada.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Não me peças que te faça milagres nos dedos



Não me peças que te faça milagres nos dedos; não os sei, nem quero. 

Faz antes de conta que somos silêncio e o vento nos embala.
Olha-me os olhos aos olhos dos outros; diz-me agora: não sou perfeito?
Ainda ontem fazia Primavera. Ainda ontem choviam ondas nos céus de Lisboa.
Foi-se a noite aos pés do dia; ficámos assim, com os braços entrelaçados em abraços
Como quando choravas pela primeira vez; questionava-te.
Meu amor, como é que sonhámos as primeiras luzes e os primeiros saltos
A ecoar na calçada? E depois nos vestimos, saindo para a rua, com os teus lábios
Dentro dos meus sentidos. Quantas vozes e vestidos e semáforos e borracha
E vinho, doce, quente, anisado. Deste-me essa tua cruz, às voltas de sangue
E eu sem te querer, nem te entender. Deixa-me antes ir, não poderia ser comandado
Nem pelos mares da Lusitânia. Quisesse eu ser navio e vela, talvez anzol,
E vogar ao desperdício por entre o sal; pudesse eu ornar-me de peixe e volver
À procedência, fazer-me de cinco pontas. Imaginas, meu amor, quem sabe um dia,
Se formos só o silêncio, poderemos dançar pelas nuvens ao som de uma suite qualquer, como se o Bolshoi fosse nosso, ou Paris, ou Barcelona? É isto que eu sinto, abanar os ombros e dizer-te que te quero e que seria perfeito, mas tão perfeito, imensamente perfeito, se ao menos existisses, como nas palavras do poeta que gritava que o seu amor estava perto. 
Eu também não sou certo, e sabes que mais, certamente que nunca foste.