Hoje acordei e falava estranho.
Como se tivesse às portas da boca a Alsácia e a Lorena, e falasse da Aquitânia e da Normandia como quem as habita. E penso, pensava, para quê ir a Bordéus com o Douro tão perto, quem trocaria Paris por Lisboa.
Eu quis ser Balzac ou Sartre, quis escrever na gaulesa e não pude; não é que as palavras não saíssem, apenas formava meia dúzia de considerações vazias sobre a personalidade portuguesa.
Saudade.
Saudade.
Pas de la danse macabre, pas de le carnaval des animaux, pas de Saint-Säens, pas de Ravel, pas de Debussy, pas de Berlioz.
Eu queria viver em Montmartre ou Montparnasse e esquecer-me do Rossio, e não fui capaz. Deitava-me ao vento, à procura dos lilases que Charles cantava e, de facto, morriam-me por entre os dedos.
Canto-te, Saudade, porque não trocaria Lisboa por Paris, nem Paris por Lisboa; não trocava a minha língua pela de Napoleão, lupus sum.
Como te quero, como te amo, como quero que sejas minha. Percorrer as tuas veias como se fossem as minhas, vogar do Bairro à Graça num ápice de quem sonha.
Prefiro, mas nem assim trocaria Baudelaire por Pessoa.
É como entrar no Atlântico e sentir à beira-chão o toque, do que nunca foi mas se fez nossa mãe.
Tenho Saudades tuas, Portugal.
De quando o teu povo não se atirava ao chão como um marioneta,
De quando te fizeste homem a cortar as ondas a perder de vista.
De quando descobriste e civilizaste um país que hoje faz vinte de ti e usa a tua linguagem.
De quando todos te desdiziam e tu jogavas xadrez ao mesmo tempo com os dois maiores do mundo a troco de pedaços de rocha.
Tenho Saudade tua, Portugal.
De O'Neill e de Mourão, que escreviam dos teus desgostos.
Saudades de Lisboa quando os eléctricos passavam à minha porta; como não poderia deixar de ser, tiraram-nos. Ficaram as linhas.
Saudade de Portugal quando tudo o que foi deixou de ser; não deixou apenas de ter esse nome.
Tenho Saudade tua, Lisboa. A mesma Saudade que África cantou. A mesma Saudade que o Brasil vai chorando de ti - e de mim. A mesma Saudade que fez Índia tremer.
Em suma, fazes-me falta. A falta de quem existe sem existir realmente.
A falta da lupina raiva que se perdeu pelos tempos.
Ai, Portugal, feliz de não seres França.
Nem Hollanda.
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Mes Misérables
És pequeno.
Vais contendo em ti a imensidão de querer saber tudo sem saber nada.
Como um relógio, vais alimentando-te da corda
Que te vão dando.
Uma memória curta é, por sinal,
O sinal de uma mente igual;
Nada em ti pede água a alguém
E já te expliquei que és um relógio.
Um dia vais acordar e ficar sem corda,
Partindo do pressuposto que já gastei as desilusões;
E nesse dia serás fogo,
Vagamente absorvido por outro fogo
Que ressoava fortemente contra o vento.
És um relógio que mostra horas erradas;
Tão erradas quanto a sua existência.
E o problema que causas não é nada mais
Que a irritação de açambarcares sem sequer pedir
O local onde costumava eu marcar as horas.
Tu est heureux quand je suis pas;
mais heureux est lui qui a pu pénetrer des causes sécretes des choses.
Até lá serás apenas um relógio partido a que dão corda sem saber.
Foge-te vampiro.
Funde-te doutro lado e desaparece.
Ninguém te deve nada nem mereces que te devam.
És somente o tempo - noutro tempo;
Um relógio à espera de ser fulminado por uma torre.
Vais contendo em ti a imensidão de querer saber tudo sem saber nada.
Como um relógio, vais alimentando-te da corda
Que te vão dando.
Uma memória curta é, por sinal,
O sinal de uma mente igual;
Nada em ti pede água a alguém
E já te expliquei que és um relógio.
Um dia vais acordar e ficar sem corda,
Partindo do pressuposto que já gastei as desilusões;
E nesse dia serás fogo,
Vagamente absorvido por outro fogo
Que ressoava fortemente contra o vento.
És um relógio que mostra horas erradas;
Tão erradas quanto a sua existência.
E o problema que causas não é nada mais
Que a irritação de açambarcares sem sequer pedir
O local onde costumava eu marcar as horas.
Tu est heureux quand je suis pas;
mais heureux est lui qui a pu pénetrer des causes sécretes des choses.
Até lá serás apenas um relógio partido a que dão corda sem saber.
Foge-te vampiro.
Funde-te doutro lado e desaparece.
Ninguém te deve nada nem mereces que te devam.
És somente o tempo - noutro tempo;
Um relógio à espera de ser fulminado por uma torre.
sábado, 8 de setembro de 2012
Meu Ego
Caminha-se a
passos largos para uma desgraça eminente. O mal é que tu não sabes, nem eu sei,
o que vira esquinas no futuro. Não sabemos se tu, Portugal ou o Mundo vão
estar aqui à espera das nossas sementes, quando finalmente as nossas árvores
carnívoras desabrocharem noutras vidas.
Não sabemos
nada, meu amor. Na realidade, escrevo-te a ti por não saber a quem mais
escrever e ter demasiado receio de expor as ideias ao vento. Por isso te
escrevo, meu Eu, meu Ego, meu tudo. Tenho demasiado receio de não saber o que
pensar.
Não temos
nada. Não temos nada há quatro décadas; problemático é afirmar que agora temos
menos. Cada vez menos. Qualquer dia até para olhar para o Tejo é preciso pagar
alíquotas. Qualquer dia até para esboçarmos um aceno uns aos outros escondemos
as mãos. E lá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim. Mas onde? E como
diria o mestre, que fazer quando tudo arde?
Hoje os meus
anseios atingem um ponto de ebulição relativamente alto. Não é pelas duas dezenas
de pontos percentuais de ontem, não é pelo agravamento geral das condições
socioeconómicas, nada disso. É apenas porque gosto tanto do meu país e não lhe
antevejo solução.
Não é uma
questão política. Nem uma recta, nem uma esfera, nem dois lados de barricada.
Há tanto tempo que isto deixou de ser uma guerra e ninguém percebe. Há tanto
tempo que as soluções vão escasseando e cada inimigo cospe ao vento soluções
vazias. E se tivesses ideias, se ao menos tivesses ideias, teriam tanta
validade como gritar palavrões na rua. É que de nada servem, e tu de nada
servirias.
Já nem me
demoro a pensar nestas coisas vazias; só me aflige o meu Portucale. O meu
pedaço de horizonte no meio do Mar. Preocupa-me ir e não saber para onde, nem
voltar sem saber porquê. Preocupa-me dentro de uma década ser obrigado a sentir
saudade do local onde cresci. Já nem a língua deixam em paz, nem os costumes.
Querem obrigar-me a falar português do outro lado do Atlântico, e a minha
língua quase milenar está perimortem.
Faz-me falta
alienar-me disto, e de uma vez por todas alinhar com a malta. Estou farto de
lutar contra uma maré que não está complacente com as fases de Selene.
Que fique
também claro que não tenciono sair daqui, nem procurar a sorte noutros Mares.
Para mim ser português é ser tenaz, é sentir até ao fim e sem sentir saudade.
Serei sempre
teu, meu Eu, meu Ego, meu tudo, minha Lisboa.
O che sciagura d’essere senza follia.
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Correspondência vol. I
Quero começar por dizer que não te odeio. Pelo menos não daquela forma visceral que se odeia algo palpável. Sou capaz de sentir uma ligeira inclinação a desgostar de ti. Mas nesse caso concordarás certamente que a culpa é tua. Ninguém te aconselhou a tomar determinadas atitudes por uma questão de despeito, e ainda que o tivessem feito, caber-te-ia a ti agir de acordo com a idade que tens.
É que nem sequer é uma questão de rectidão, bastava-te não mentir. Se não emulasses um desinteresse fingido, ninguém te tinha pedido satisfações. Fazias de conta que a transpiração te chegava e depois falava-se nisso. Mas não chegava, não se falou nisso. Colocas para dentro como um pacote de lenços invertido e fechas-te em copas nas porcarias que praticas. É por isso que te digo que não te odeio, ninguém odeia a sofreguidão.
Sessenta dias, nem tanto, chegam para que dês à volta à tua mente, sem teres acesso ás repercussões dos teus actos. Sessenta dias depois de negares, de jurares a pés juntos a oposição do que praticas. Desculpas-te com retóricas de dezasseis anos, de ideias de que as coisas acontecem por acaso. Sabes que mais, não acontecem. As coisas simplesmente não «acontecem». O que acontece é deixares-te levar por elas e nesse caso tem ao menos a inteligência de assumir a tua culpa, como assumes em público o que andas a fazer - mais uma vez sem dar satisfação a quem convém.
Deixa-me repetir que não te odeio. É que ninguém odeia a incoerência nem a falta de nexo. Dás-me vontade de nunca mais te abrir a boca, mas creio que nem isso já te importa. É este o problema daqueles que encontram essa ideia desregrada de amor, esquecem-se das virtudes da amizade. E quando o amor acaba, vêm correndo beber das palavras como o rio corre para o mar. Pode ser que nesses tempos já seja eu seco como um rego.
A mim não me causas transtorno nenhum. Nem tu, nem os teus fantasmas, nem os antigos, nem os novos. Simplesmente não te desculpes aos meus ouvidos como se fosses a pessoa com menos culpa do cartório e nem inventes que não sabes falar nas coisas. A mim cabia-me pelo menos saber das coisas em antemão e não receber desculpas de engenhocas semi-avariadas apenas porque sim.
Não te odeio, de todo. Mas podes crer que pelo menos durante algum tempo, te mandarei dar a volta à Sintra quando me chamares teu «amigo».
Post-Scriptum: Redigido, transcrito e revisto antes de ser hora de gente.
É que nem sequer é uma questão de rectidão, bastava-te não mentir. Se não emulasses um desinteresse fingido, ninguém te tinha pedido satisfações. Fazias de conta que a transpiração te chegava e depois falava-se nisso. Mas não chegava, não se falou nisso. Colocas para dentro como um pacote de lenços invertido e fechas-te em copas nas porcarias que praticas. É por isso que te digo que não te odeio, ninguém odeia a sofreguidão.
Sessenta dias, nem tanto, chegam para que dês à volta à tua mente, sem teres acesso ás repercussões dos teus actos. Sessenta dias depois de negares, de jurares a pés juntos a oposição do que praticas. Desculpas-te com retóricas de dezasseis anos, de ideias de que as coisas acontecem por acaso. Sabes que mais, não acontecem. As coisas simplesmente não «acontecem». O que acontece é deixares-te levar por elas e nesse caso tem ao menos a inteligência de assumir a tua culpa, como assumes em público o que andas a fazer - mais uma vez sem dar satisfação a quem convém.
Deixa-me repetir que não te odeio. É que ninguém odeia a incoerência nem a falta de nexo. Dás-me vontade de nunca mais te abrir a boca, mas creio que nem isso já te importa. É este o problema daqueles que encontram essa ideia desregrada de amor, esquecem-se das virtudes da amizade. E quando o amor acaba, vêm correndo beber das palavras como o rio corre para o mar. Pode ser que nesses tempos já seja eu seco como um rego.
A mim não me causas transtorno nenhum. Nem tu, nem os teus fantasmas, nem os antigos, nem os novos. Simplesmente não te desculpes aos meus ouvidos como se fosses a pessoa com menos culpa do cartório e nem inventes que não sabes falar nas coisas. A mim cabia-me pelo menos saber das coisas em antemão e não receber desculpas de engenhocas semi-avariadas apenas porque sim.
Não te odeio, de todo. Mas podes crer que pelo menos durante algum tempo, te mandarei dar a volta à Sintra quando me chamares teu «amigo».
Post-Scriptum: Redigido, transcrito e revisto antes de ser hora de gente.
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