quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Lisboa Nova

Céus de Lisboa, nasce o deserto na expansão territorial que fica entre a popa e a proa e cada vez mais perto, e tão mais perto,
Chora o Homem, nascem as ondas; Quis que fosse assim e Fez-se, desfez-se na espuma dos molhes,
Ontem foi rio, hoje é leito seco; luz em sonhos de marfim, onde se perde o condão à vida.
Dizia-se dantes que lá longe principiava o caminho: das trevas ao sangue novo se desalinham os tremores, ao invés de se comporem
Faz-se sombra pela areia e depois pelas rochas fora, fora da montanha de traços nas peles alheias
E nessas é feito ebúrneo o que alvo fora segundos antes, nas peles de estranhos e ventres escondidos
Dentro do peito, vazios corpóreos mil anos, vapores de cinza ao redor de trapos.
Sede, e ide beber às fontes; sonhai que o Outono são mil dias antes da Primavera
Nenhures, antes das flores nada nasce.

Lá fomos em rubras horas ao pontão de Lourenço esquecido

Lá vamos cantando e rindo, dizia o coronel ao capitão que de espingarda na mão dava bênçãos aos soldados e dizia-lhes baixinho vai lá p’ró outro lado do mar e vem numa caixa de pinho eu vou atrás e limpamos turras, limpamos o que vier; filas e filas intermináveis no pontão que dá aos cais, o do sodré, de Belém e caravelas sem castelos ancoradas à espera dos príncipes que partem para morrer em Angola e crianças choram pela mão das mães, crianças de vinte e um anos sofrem os males da guerra sem a conhecer ainda ao pé, filhos da puta, filhos da puta diz o sargento da perna de pau, filhos da puta que mentem aqui ninguém dá a vida pelo país, uns vão pela fama mal afamada e outros à espera de benzer o crucifixo na terra de ninguém, nenhures n’algures, Deus tenha piedade de vós grunhe o padre que nunca verá areias negras em Cabo Verde. E o sargento chorando por dentro lá admite quantos mais à barcaça, mais é sempre melhor, uns beijam a testa das mães, adeus e até ao meu regresso, mas que regresso elas dizem Mas que regresso tens tu, meu filho, e agora são só meia dúzia de milhares de nome num monumento erguido aos céus ao pé da Torre, onde ilustres partiram a desbravar os caminhos em que outros quatrocentos anos depois faleceriam. Presos, presos foram pelos pides, fugir é tema tabu enquanto outros de livre vontade escolhem a noite sem fim de África. Morre o povo e o outro povo, brancos e pretos numa batalha pela terra de uns que afinal é de outros, Portugal não é pequeno, Portugal vai dos Açores à Rússia, à custa de meia dúzia de milhares de vidas deitadas fora em areais de vulcão sujo; Portugal é grande, diziam, Lusitânia das nossas paixões onde os caixões voltavam às vezes sabe-se lá com o quê dentro; os garrotes não chegavam para estancar perdas de braços nem pernas que ficaram feitas em pó no pó das estradas de cabras; O branco veio e bateu no povo, eles que o sabem, o branco bateu em nós e nos nossos avós e nós morremos aqui hoje, pretos enfim, e connosco vão quantos brancos pudermos levar, quantos couberem no gume da catana. E o branco vai e procura a morte em prol da sorte de outros brancos, em prol da vida e prosperidade de outros que nunca foram brancos mas vieram da terra dos pretos com dinheiro para não ter cor de pele, quiçá sejam verdes da cor do escudo mas no meio de tudo quem vai sofrendo é o filho, filho, Filhos da puta que Deus sabe lá porquê, manda em caravelas sem castelos morrer onde Judas perdeu as botas.
Lá vamos chorando e rindo, cantando cantando enfim, e as tubas ressoam no ar, meia dúzia de clamores com fim, regressa e faz boa viagem diz a velha dos trapos entre lágrimas, Maldita a hora desdiz o soldado, soldadinho de chumbo e de pinho, feito merda nas areias negras, os pretos vão subindo as ladeiras com as mãos fora das algibeiras, acostumados ao clima hostil; o mosquito pica o branco e pica o preto, infecciona-os sei lá porquê, deixa-os morrer à torreira do Sol que jaz à volta do Tarrafal, quais pormenores, pormenores e vidas, palavras que não se coalizam. Eivados de orgulho de viseira em punho, as mãos em riste à torreira do Sol, deixa-me que te diga, África não é nossa. Angola nunca foi nossa nem deles, dos que enviaram o filho do povo à procura da sorte em salinas perdidas no Huambo nem nunca foi do outro em São Bento que caçava almas em prol de meia dúzia de armas que produzia em Xabregas. Não, Portugal não é pequeno, nem é na pequenez que assusta a vetusta astúcia que produz. Antes, Portugal vai daqui à Rússia, dos Açores quase à Crimeia mas na teia se perdem vidas que nunca foram. Pátria, Pátria amada, luxo que nunca foi luxo de ser português ou não; Hei-de ver terras de Espanha e mostrar-tas, uma espécie de Bartolomeu à maneira Nova, Estado Novo entre terras velhas, Novo Estado e novas loucuras.

sábado, 29 de janeiro de 2011

À beira do riacho que corria nos abismos do mundo a verde tingido num untar desnudo de qualquer sofreguidão bebo eu a água da profissão inquieta por entre os telhados de vidro dos idiotas que atiram pedras de hóstias ao vizinho da esquina, ao lado custa demasiado esticar um pouco menos o tendão e surripiou o caixilho da janela na loja de ferragens da rua paralela.
À beira da ara jaz quem um dia foi só seu à espera de que pudesse em fim dar-se a alguém sem que ninguém realmente desejasse essa bênção, se ninguém é quem queria ser sou eu quem se ajoelha à beira da ara e a toca com um tacto quase morno como quem espera dar-se a algo de forma realmente mais velhaca do que se dá apenas por prazer, apenas por precaução se corre lateralmente e se mira por cima do ombro à procura do cadáver que nos persegue, a correr à velocidade da luz ou da lesma, pouco importa à criação apenas que sejamos só nós, um dia só nosso à espera de cair nos abismos do mundo num untar desnudo de qualquer sofreguidão.
À beira dos socalcos nascem as vinhas faz hoje quarenta anos de quaresma maldita onde o riacho de fim de mundo vem desaguar e galga as margens com uma violência quase imatura, arrastando a ara no seu caminho untando a terra de vinho e se fazem tarde as plantas que alguém plantou à beira dos moinhos, se faz tarde tudo se caminhamos sozinhos pelos caminhos que desaguam despercebidamente à beira da água do desejo indiscreto, à beira dos socalcos de fim do mundo que por si só significam a labuta de quem discorre sobre nada nem pouco mais ou menos, ainda que pense sobre tudo.
Sabe como é, mudam as ideias e os talentos e nós ficamos na mesma à espera que tudo aconteça à beira de qualquer coisa sem acontecer nada. Depois lá vem a velhice e falecemos no lugar inquietas marionetas que esperam por tudo sem esperar nada de ninguém. Sabe como é, se todos fôssemos quem queremos ser não havia inveja em ninguém e deixavam de fazer sentido as maçãs sumarentas e os medronheiros à beira da estrada. Se o alcatrão estala ninguém se apercebe mas quando é o osso todo o mundo parece girar à volta de um antigo crânio desfeito em nada e precisamos tanto de ruas para caminhar, mas provavelmente seríamos capazes de sobreviver sem encéfalo. Sabe como é, mudamos tanto para nunca mudar esperando por uma vinda que nunca volta e às vezes refugio-me nas penas que guardo perto do pisa-papéis e molho-as em tinta só para dizer que é sangue e que ninguém entende o que escrevo.
Percebe agora porque é tão premente que mudemos, se o que eu quero é tão-somente descortinar essa barreira que nos transforma numa corrente de luz ao redor de átomos sem carga iónica, na verdade eu sou alguém que queria ser e a verdade é que isso faz de mim menos que tudo ao meu redor; nada tenho que esperar nem que a vida me altere conquanto altera tudo quanto se move, faz falta viver não é dizia o mercador ausente à mulher de bicos de pés e apalpava os melões
- depressa que se põem maduros, homem
e lá ia ele sujando os sapatos à sua maneira e eu a observar e a perguntar o que me fugia à compreensão.
À beira do Tejo vamos tendo este tête-a-tête e a verdade é que quanto mais vejo verde mais me apetece fugir com o cabelo ao vento no abraço de inquietude ausente com a sensação de que se ao menos fugirmos do que nos persegue talvez nunca precisemos de correr lateralmente a olhar por cima do ombro.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Bom dia, Alegria!

Crlh, fdx, só pa dizer que vou votar Alegre nas putas das presidenciais, puta que pariu, crl, fdx viva "ser" de um partido!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Fui aos arames à dor de corno p'ra ordenar o mundo na sofreguidão do alento, esperava sentado à beira desse rio, mais um cigarro e atenua-me os cornos ou pelo menos vai às voltas no fumo que delira. Sentada na beira-mar, olha para mim e para a velhice, sabe como é, ao menos quanto mais velhos ficamos menos pensamos nesses delírios da mocidade buracos são feitos p'ra serem tapados, acompanha-me numa cerveja pergunto e deslindo o sorriso e você só me olha nessa indignação furtiva, bêbado quem foi eu não sei sempre bebi por acidente, interessa-lhe ouvir a história de Lisboa há meia dúzia de dias ou de anos nem sei bem, interessa e eu olho para o Tejo, mudou tão pouco e nós formando à beira de
- Lá vamos cantando e rindo
forma(ta)dos para uma meia dúzia de ideais sem cor nem fundamento lembro-me bem das bochechas rosadas nas faces dos meus tios, previsões feitas em salas com suores bafientos a perseguido político hás-de ser vermelho e eu sorria, sabia lá o que era além dos sugos de morango na pastelaria da esquina.
- Lá vamos que o sonho é lindo
lindo como o raio que o parta hoje cada vez que venho aqui choro naquele calhauzito ali atrás que desbunda centenas de nomes de indivíduos que nem a puta pariu, mas a República, ornados com um caixão de pinho e a verderubra a solicitar qualquer coisa de diferente, ali está ele, lembro-me de uma notícia com meia dúzia de linhas, falecera em combate na província do Huambo e mais qualquer coisa que soa vagamente a ode, guardo esse pedaço de jornal à beira da minha cabeceira p'ra lembrar os vermelhos que me puseram no coração a cor do sangue que agora não posso debitar e foram caindo encarnados por esse planalto, vamos em frente que angolénossa
- É por ti, ó Lusitânia
se soubesse fazia como o outro e virava hispano a fugir do cu à seringa como um cristão em Roma perdida, por ti ó lusitânia agora que me lembro dos versos da cigarreira breve a cair da algibeira e o lenço branco a raiar o vermelho, formando à beira do Tejo onde as naus fugiram p'rá Índia à procura de canela para polvilhar o arroz doce e a mãe chorava porque um puto corria rua a fora com o tacho na mão, tristes tempos em que meia dúzia de tostões não dava p'ra mandar cantar o cego nem p'ra lhe oferecer uma chávena de café e o meu avô a berrar à minha avó bebes cevada que te fodes enquanto a sopeira bebia com avidez a palavra foder eu bem os ouvia de madrugada a escalar paredes na arrecadação, quem é que me partiu a bicicleta e levo uma chapada de mão assente, quem rebentou com os azulejos e levo mais uma, estou negro que nem posso debaixo do uniforme e querem formatar-me para ir matar pretos
- Lá vamos cantando e rindo
E a sopeira canta bem alto palavras de exaltação, porca que nem trovões foi ela que me ensinou o que era uma cona quando eu ainda nem tinha pêlos nos testículos, fui o homem da casa e o avô morreu quando o tio voltou na caixa de pinho, tadinho do soldadinho e lá vamos cantando e rindo pode ser que um dia cantemos tanto que nos caiam os culhões de cansaço, eu p'rá guerra não vou foda-se não vou, ainda está aqui ao meu lado, bonito é o Tejo hoje em dia, acompanha-me numa cerveja pergunto e deslindo o sorriso e você só me olha nessa indignação furtiva e eu dou comigo a pensar que o Tejo quase me parece azul e não vermelho.
Fumo este cigarro com calma demais debaixo da mesma esquina onde passo todas as noites, por vezes penso e levo algo para casa e no dia seguinte olho por debaixo dos lençóis à procura da familiaridade esquecida, sabe como é, anda-se demais e depois desacelera-se e na verdade fugimos espavoridos como gatos escaldados sob o Sol que se põe na colina, e ouço a voz ao longe
- Sobe, rapaz, que se te vê o badalo
na voz da criada velha de casa de minha mãe, divago não é, foge-me a voz p'ra outras paragens, há 30 anos perdidos num mar de sargaço e o padre gritava-me rouco, venha venha comigo antes que eu rebente pelas costuras do que me enche 
- merda para os costumes, caralho, caralho,
já o meu pai dizia com a sua voz rouca, espalhei as cinzas no quintal qual Goethe, fausto fora em morte e javardo em vida e agora nas cinzas das velas acesas com o cheiro a madeira no cinzel penso por entre vielas perdidas nos tornozelos da vizinha e me grita o padre
- venha venha comigo
tenha calma que sigo atrás sem palavras para dizer o que sinto avanço eu pela sinistra calha entre dois prédios, onde me leva e logo o escuro me torna a engolir, nós não somos animais entre-dentes, repetido ao expoente máximo, nós não somos animais mas agora éramos encarcerados entre paredes de vila e fustigados nos quadris pela espora da ceifeira que nos incutia a fugir pela vida. Não somos animais mas sagazmente voamos voláteis ao redor de uma dimensão quase perdida, a chuva molha a cidade triunfante e o padre grita de gáudio é desta que não nos rendemos ao fogo de Satanás, qual satanás qual quê, eu atrás, foi o cabrão do sacristão que acendeu o charuto entre as nádegas da sôror Joaquina e o isqueiro caiu na cortina venha venha comigo que havemos de descansar entre os tornozelos da vizinha onde o seu pai grunhia que nem um animal e nós não somos animais gritava eu mas ninguém me ouvia nem o padre nem a chuva nem o cabrão do sacristão entre os valhamedeus da missionária nem missionário foi que não havia tempo, mas venha venha comigo e eu estaco molhado de chuva e dá-me vontade de gritar bem alto que somos animais mas não posso nem quero acorrentado aos grilhões da ascensão divina merda para os costumes gritei bem alto e puta que o pariu senhor prior, entende, a si e à sua régia e aos impíos que o ouvem enquanto se fecham no quarto a masturbar a ponta das peles na foto da Ava Gardner e eu vou vou consigo até onde me levar por entre a solidão da chuva entre os prédios e o manto a esvoaçar ao vento nós não somos animais mas sabemos fugir com o rabo entre as pernas.