Lá vamos cantando e rindo, dizia o coronel ao capitão que de espingarda na mão dava bênçãos aos soldados e dizia-lhes baixinho vai lá p’ró outro lado do mar e vem numa caixa de pinho eu vou atrás e limpamos turras, limpamos o que vier; filas e filas intermináveis no pontão que dá aos cais, o do sodré, de Belém e caravelas sem castelos ancoradas à espera dos príncipes que partem para morrer em Angola e crianças choram pela mão das mães, crianças de vinte e um anos sofrem os males da guerra sem a conhecer ainda ao pé, filhos da puta, filhos da puta diz o sargento da perna de pau, filhos da puta que mentem aqui ninguém dá a vida pelo país, uns vão pela fama mal afamada e outros à espera de benzer o crucifixo na terra de ninguém, nenhures n’algures, Deus tenha piedade de vós grunhe o padre que nunca verá areias negras em Cabo Verde. E o sargento chorando por dentro lá admite quantos mais à barcaça, mais é sempre melhor, uns beijam a testa das mães, adeus e até ao meu regresso, mas que regresso elas dizem Mas que regresso tens tu, meu filho, e agora são só meia dúzia de milhares de nome num monumento erguido aos céus ao pé da Torre, onde ilustres partiram a desbravar os caminhos em que outros quatrocentos anos depois faleceriam. Presos, presos foram pelos pides, fugir é tema tabu enquanto outros de livre vontade escolhem a noite sem fim de África. Morre o povo e o outro povo, brancos e pretos numa batalha pela terra de uns que afinal é de outros, Portugal não é pequeno, Portugal vai dos Açores à Rússia, à custa de meia dúzia de milhares de vidas deitadas fora em areais de vulcão sujo; Portugal é grande, diziam, Lusitânia das nossas paixões onde os caixões voltavam às vezes sabe-se lá com o quê dentro; os garrotes não chegavam para estancar perdas de braços nem pernas que ficaram feitas em pó no pó das estradas de cabras; O branco veio e bateu no povo, eles que o sabem, o branco bateu em nós e nos nossos avós e nós morremos aqui hoje, pretos enfim, e connosco vão quantos brancos pudermos levar, quantos couberem no gume da catana. E o branco vai e procura a morte em prol da sorte de outros brancos, em prol da vida e prosperidade de outros que nunca foram brancos mas vieram da terra dos pretos com dinheiro para não ter cor de pele, quiçá sejam verdes da cor do escudo mas no meio de tudo quem vai sofrendo é o filho, filho, Filhos da puta que Deus sabe lá porquê, manda em caravelas sem castelos morrer onde Judas perdeu as botas.
Lá vamos chorando e rindo, cantando cantando enfim, e as tubas ressoam no ar, meia dúzia de clamores com fim, regressa e faz boa viagem diz a velha dos trapos entre lágrimas, Maldita a hora desdiz o soldado, soldadinho de chumbo e de pinho, feito merda nas areias negras, os pretos vão subindo as ladeiras com as mãos fora das algibeiras, acostumados ao clima hostil; o mosquito pica o branco e pica o preto, infecciona-os sei lá porquê, deixa-os morrer à torreira do Sol que jaz à volta do Tarrafal, quais pormenores, pormenores e vidas, palavras que não se coalizam. Eivados de orgulho de viseira em punho, as mãos em riste à torreira do Sol, deixa-me que te diga, África não é nossa. Angola nunca foi nossa nem deles, dos que enviaram o filho do povo à procura da sorte em salinas perdidas no Huambo nem nunca foi do outro em São Bento que caçava almas em prol de meia dúzia de armas que produzia em Xabregas. Não, Portugal não é pequeno, nem é na pequenez que assusta a vetusta astúcia que produz. Antes, Portugal vai daqui à Rússia, dos Açores quase à Crimeia mas na teia se perdem vidas que nunca foram. Pátria, Pátria amada, luxo que nunca foi luxo de ser português ou não; Hei-de ver terras de Espanha e mostrar-tas, uma espécie de Bartolomeu à maneira Nova, Estado Novo entre terras velhas, Novo Estado e novas loucuras.
Sem comentários:
Enviar um comentário