Fumo este cigarro com calma demais debaixo da mesma esquina onde passo todas as noites, por vezes penso e levo algo para casa e no dia seguinte olho por debaixo dos lençóis à procura da familiaridade esquecida, sabe como é, anda-se demais e depois desacelera-se e na verdade fugimos espavoridos como gatos escaldados sob o Sol que se põe na colina, e ouço a voz ao longe
- Sobe, rapaz, que se te vê o badalo
na voz da criada velha de casa de minha mãe, divago não é, foge-me a voz p'ra outras paragens, há 30 anos perdidos num mar de sargaço e o padre gritava-me rouco, venha venha comigo antes que eu rebente pelas costuras do que me enche
- merda para os costumes, caralho, caralho,
já o meu pai dizia com a sua voz rouca, espalhei as cinzas no quintal qual Goethe, fausto fora em morte e javardo em vida e agora nas cinzas das velas acesas com o cheiro a madeira no cinzel penso por entre vielas perdidas nos tornozelos da vizinha e me grita o padre
- venha venha comigo
tenha calma que sigo atrás sem palavras para dizer o que sinto avanço eu pela sinistra calha entre dois prédios, onde me leva e logo o escuro me torna a engolir, nós não somos animais entre-dentes, repetido ao expoente máximo, nós não somos animais mas agora éramos encarcerados entre paredes de vila e fustigados nos quadris pela espora da ceifeira que nos incutia a fugir pela vida. Não somos animais mas sagazmente voamos voláteis ao redor de uma dimensão quase perdida, a chuva molha a cidade triunfante e o padre grita de gáudio é desta que não nos rendemos ao fogo de Satanás, qual satanás qual quê, eu atrás, foi o cabrão do sacristão que acendeu o charuto entre as nádegas da sôror Joaquina e o isqueiro caiu na cortina venha venha comigo que havemos de descansar entre os tornozelos da vizinha onde o seu pai grunhia que nem um animal e nós não somos animais gritava eu mas ninguém me ouvia nem o padre nem a chuva nem o cabrão do sacristão entre os valhamedeus da missionária nem missionário foi que não havia tempo, mas venha venha comigo e eu estaco molhado de chuva e dá-me vontade de gritar bem alto que somos animais mas não posso nem quero acorrentado aos grilhões da ascensão divina merda para os costumes gritei bem alto e puta que o pariu senhor prior, entende, a si e à sua régia e aos impíos que o ouvem enquanto se fecham no quarto a masturbar a ponta das peles na foto da Ava Gardner e eu vou vou consigo até onde me levar por entre a solidão da chuva entre os prédios e o manto a esvoaçar ao vento nós não somos animais mas sabemos fugir com o rabo entre as pernas.
Sem comentários:
Enviar um comentário