terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Os ares dos tempos

Parece-lhe bem, se nos aventurarmos a beber um café ali no Príncipe Real, como quem outorga os velhos tempos às folhas da lareira e às lascas do carvalho, e depois sorri como criança a quem faltam dois dentes à laia do excesso de doces. Da mesma forma que vamos passeando por Lisboa, e partindo a calçada à nossa passagem, e nos reflexos dos espelhos alheios se vêm os meus passos desertos e sós.
E se lhe for contando, sabe o que é perder minutos, perder anos, perder silêncios com receio de que estar calado pese demais, perder discussões por não querer discutir, perder discussões por falar demais
- Falta-me café!
Mas, deixe-me que a corrija, antes lhe falte o café que o chá, é demasiado triste observar meia dúzia de vaga-lumes a siderar o espaço que me corrige os sentidos, nessa triste demanda de se querer ser fino ou educado, e depois dar, olhe desculpe a expressão, merda; é que esse pormenor não é demasiado simples nem demasiado complexo, é antes descomplexado e pouco simplista se quiser ser educada demais acaba por cair no ridículo da falta de educação
- Não compreendo o que quer dizer
Nem precisa, deixe-me que lhe diga, nem precisa. Nem eu preciso, e nem quero. Passa-me ao lado. É só que eu até gosto das coisas descomplexadas e até prefiro o silêncio à estupidez e nem gosto de responder mal às pessoas e invariavelmente vêm pedir-me explicações e, eventualmente, desculpe lá a expressão, lixam-me o juízo e eu até tenho um certo pendor complicado para me lixarem o juízo, não quero com isto dizer que chegue lá rápido, mas convenhamos que se me apraz o azeite e muito menos o cheiro a mostarda. Não sei se me faço entender, ou se quer compreender a licença que dá a este entulho de gente, perdão, esta amostra de gente, que anda pelos cantos a lamuriar e a ofender o alheio e depois cai de mão beijada, de lábios pintados, de passos distantes tornados presentes, e no fundo, eu só queria um casaco que desse com os sapatos, que fosse de uma cor parecida não precisava ser da mesma, nem sequer precisava de ser parecida, afinal de contas, dizem que preto combina com tudo e contudo tanto se me dá, acho uma daquelas leviandades tremendas, e só hoje me apercebo de que gosto cada vez menos de gente fútil e que amo cada vez mais gente que é simples e sabe viver e dar que viver
- É, uma ironia, realmente.
Pois é, mas sabe que eventualmente é neste limbo que nos resultamos, como químicos falhados, experienciamos mil e uma coisas e invariavelmente a última é sempre a pior, ou das piores, e eu até costumo dar um certo toque intelectual à coisa mas - dá que pensar - a falta de jeito das pessoas é atroz. E digo-lhe mais, como até simpatizo consigo, e merece que lhe diga mais meia dúzia de palavras enquanto brinca com o torrão de açúcar entre os dedos, quase me faz falta chegar à porta e berrar isto tudo; como se merecessem sequer esta meia dúzia de inverdades verdadeiras, e olhe que nem quero remexer nos aterros, mas a esperteza dá-se mal com a pose, e invariavelmente são inversas.
- Mas de que fala afinal?
Olhe, falo da vida. De pessoas. De um todo que nunca existiu e, para outréns, não existirá nunca, porque não sabem mais, não podem mais, não querem mais; contentam-se com o medíocre e nem sabe o que feliz que isso me faz, e querem ser mais e melhores mas não podem, não sabem, não conseguem e são, na ascensão da palavra, incapazes. Desisto, já ninguém quer saber do fio.

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