sábado, 29 de janeiro de 2011

À beira do riacho que corria nos abismos do mundo a verde tingido num untar desnudo de qualquer sofreguidão bebo eu a água da profissão inquieta por entre os telhados de vidro dos idiotas que atiram pedras de hóstias ao vizinho da esquina, ao lado custa demasiado esticar um pouco menos o tendão e surripiou o caixilho da janela na loja de ferragens da rua paralela.
À beira da ara jaz quem um dia foi só seu à espera de que pudesse em fim dar-se a alguém sem que ninguém realmente desejasse essa bênção, se ninguém é quem queria ser sou eu quem se ajoelha à beira da ara e a toca com um tacto quase morno como quem espera dar-se a algo de forma realmente mais velhaca do que se dá apenas por prazer, apenas por precaução se corre lateralmente e se mira por cima do ombro à procura do cadáver que nos persegue, a correr à velocidade da luz ou da lesma, pouco importa à criação apenas que sejamos só nós, um dia só nosso à espera de cair nos abismos do mundo num untar desnudo de qualquer sofreguidão.
À beira dos socalcos nascem as vinhas faz hoje quarenta anos de quaresma maldita onde o riacho de fim de mundo vem desaguar e galga as margens com uma violência quase imatura, arrastando a ara no seu caminho untando a terra de vinho e se fazem tarde as plantas que alguém plantou à beira dos moinhos, se faz tarde tudo se caminhamos sozinhos pelos caminhos que desaguam despercebidamente à beira da água do desejo indiscreto, à beira dos socalcos de fim do mundo que por si só significam a labuta de quem discorre sobre nada nem pouco mais ou menos, ainda que pense sobre tudo.
Sabe como é, mudam as ideias e os talentos e nós ficamos na mesma à espera que tudo aconteça à beira de qualquer coisa sem acontecer nada. Depois lá vem a velhice e falecemos no lugar inquietas marionetas que esperam por tudo sem esperar nada de ninguém. Sabe como é, se todos fôssemos quem queremos ser não havia inveja em ninguém e deixavam de fazer sentido as maçãs sumarentas e os medronheiros à beira da estrada. Se o alcatrão estala ninguém se apercebe mas quando é o osso todo o mundo parece girar à volta de um antigo crânio desfeito em nada e precisamos tanto de ruas para caminhar, mas provavelmente seríamos capazes de sobreviver sem encéfalo. Sabe como é, mudamos tanto para nunca mudar esperando por uma vinda que nunca volta e às vezes refugio-me nas penas que guardo perto do pisa-papéis e molho-as em tinta só para dizer que é sangue e que ninguém entende o que escrevo.
Percebe agora porque é tão premente que mudemos, se o que eu quero é tão-somente descortinar essa barreira que nos transforma numa corrente de luz ao redor de átomos sem carga iónica, na verdade eu sou alguém que queria ser e a verdade é que isso faz de mim menos que tudo ao meu redor; nada tenho que esperar nem que a vida me altere conquanto altera tudo quanto se move, faz falta viver não é dizia o mercador ausente à mulher de bicos de pés e apalpava os melões
- depressa que se põem maduros, homem
e lá ia ele sujando os sapatos à sua maneira e eu a observar e a perguntar o que me fugia à compreensão.
À beira do Tejo vamos tendo este tête-a-tête e a verdade é que quanto mais vejo verde mais me apetece fugir com o cabelo ao vento no abraço de inquietude ausente com a sensação de que se ao menos fugirmos do que nos persegue talvez nunca precisemos de correr lateralmente a olhar por cima do ombro.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Bom dia, Alegria!

Crlh, fdx, só pa dizer que vou votar Alegre nas putas das presidenciais, puta que pariu, crl, fdx viva "ser" de um partido!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Fui aos arames à dor de corno p'ra ordenar o mundo na sofreguidão do alento, esperava sentado à beira desse rio, mais um cigarro e atenua-me os cornos ou pelo menos vai às voltas no fumo que delira. Sentada na beira-mar, olha para mim e para a velhice, sabe como é, ao menos quanto mais velhos ficamos menos pensamos nesses delírios da mocidade buracos são feitos p'ra serem tapados, acompanha-me numa cerveja pergunto e deslindo o sorriso e você só me olha nessa indignação furtiva, bêbado quem foi eu não sei sempre bebi por acidente, interessa-lhe ouvir a história de Lisboa há meia dúzia de dias ou de anos nem sei bem, interessa e eu olho para o Tejo, mudou tão pouco e nós formando à beira de
- Lá vamos cantando e rindo
forma(ta)dos para uma meia dúzia de ideais sem cor nem fundamento lembro-me bem das bochechas rosadas nas faces dos meus tios, previsões feitas em salas com suores bafientos a perseguido político hás-de ser vermelho e eu sorria, sabia lá o que era além dos sugos de morango na pastelaria da esquina.
- Lá vamos que o sonho é lindo
lindo como o raio que o parta hoje cada vez que venho aqui choro naquele calhauzito ali atrás que desbunda centenas de nomes de indivíduos que nem a puta pariu, mas a República, ornados com um caixão de pinho e a verderubra a solicitar qualquer coisa de diferente, ali está ele, lembro-me de uma notícia com meia dúzia de linhas, falecera em combate na província do Huambo e mais qualquer coisa que soa vagamente a ode, guardo esse pedaço de jornal à beira da minha cabeceira p'ra lembrar os vermelhos que me puseram no coração a cor do sangue que agora não posso debitar e foram caindo encarnados por esse planalto, vamos em frente que angolénossa
- É por ti, ó Lusitânia
se soubesse fazia como o outro e virava hispano a fugir do cu à seringa como um cristão em Roma perdida, por ti ó lusitânia agora que me lembro dos versos da cigarreira breve a cair da algibeira e o lenço branco a raiar o vermelho, formando à beira do Tejo onde as naus fugiram p'rá Índia à procura de canela para polvilhar o arroz doce e a mãe chorava porque um puto corria rua a fora com o tacho na mão, tristes tempos em que meia dúzia de tostões não dava p'ra mandar cantar o cego nem p'ra lhe oferecer uma chávena de café e o meu avô a berrar à minha avó bebes cevada que te fodes enquanto a sopeira bebia com avidez a palavra foder eu bem os ouvia de madrugada a escalar paredes na arrecadação, quem é que me partiu a bicicleta e levo uma chapada de mão assente, quem rebentou com os azulejos e levo mais uma, estou negro que nem posso debaixo do uniforme e querem formatar-me para ir matar pretos
- Lá vamos cantando e rindo
E a sopeira canta bem alto palavras de exaltação, porca que nem trovões foi ela que me ensinou o que era uma cona quando eu ainda nem tinha pêlos nos testículos, fui o homem da casa e o avô morreu quando o tio voltou na caixa de pinho, tadinho do soldadinho e lá vamos cantando e rindo pode ser que um dia cantemos tanto que nos caiam os culhões de cansaço, eu p'rá guerra não vou foda-se não vou, ainda está aqui ao meu lado, bonito é o Tejo hoje em dia, acompanha-me numa cerveja pergunto e deslindo o sorriso e você só me olha nessa indignação furtiva e eu dou comigo a pensar que o Tejo quase me parece azul e não vermelho.
Fumo este cigarro com calma demais debaixo da mesma esquina onde passo todas as noites, por vezes penso e levo algo para casa e no dia seguinte olho por debaixo dos lençóis à procura da familiaridade esquecida, sabe como é, anda-se demais e depois desacelera-se e na verdade fugimos espavoridos como gatos escaldados sob o Sol que se põe na colina, e ouço a voz ao longe
- Sobe, rapaz, que se te vê o badalo
na voz da criada velha de casa de minha mãe, divago não é, foge-me a voz p'ra outras paragens, há 30 anos perdidos num mar de sargaço e o padre gritava-me rouco, venha venha comigo antes que eu rebente pelas costuras do que me enche 
- merda para os costumes, caralho, caralho,
já o meu pai dizia com a sua voz rouca, espalhei as cinzas no quintal qual Goethe, fausto fora em morte e javardo em vida e agora nas cinzas das velas acesas com o cheiro a madeira no cinzel penso por entre vielas perdidas nos tornozelos da vizinha e me grita o padre
- venha venha comigo
tenha calma que sigo atrás sem palavras para dizer o que sinto avanço eu pela sinistra calha entre dois prédios, onde me leva e logo o escuro me torna a engolir, nós não somos animais entre-dentes, repetido ao expoente máximo, nós não somos animais mas agora éramos encarcerados entre paredes de vila e fustigados nos quadris pela espora da ceifeira que nos incutia a fugir pela vida. Não somos animais mas sagazmente voamos voláteis ao redor de uma dimensão quase perdida, a chuva molha a cidade triunfante e o padre grita de gáudio é desta que não nos rendemos ao fogo de Satanás, qual satanás qual quê, eu atrás, foi o cabrão do sacristão que acendeu o charuto entre as nádegas da sôror Joaquina e o isqueiro caiu na cortina venha venha comigo que havemos de descansar entre os tornozelos da vizinha onde o seu pai grunhia que nem um animal e nós não somos animais gritava eu mas ninguém me ouvia nem o padre nem a chuva nem o cabrão do sacristão entre os valhamedeus da missionária nem missionário foi que não havia tempo, mas venha venha comigo e eu estaco molhado de chuva e dá-me vontade de gritar bem alto que somos animais mas não posso nem quero acorrentado aos grilhões da ascensão divina merda para os costumes gritei bem alto e puta que o pariu senhor prior, entende, a si e à sua régia e aos impíos que o ouvem enquanto se fecham no quarto a masturbar a ponta das peles na foto da Ava Gardner e eu vou vou consigo até onde me levar por entre a solidão da chuva entre os prédios e o manto a esvoaçar ao vento nós não somos animais mas sabemos fugir com o rabo entre as pernas.